7 de out. de 2012

FOGÃO À LENHA




              As recordações das minhas férias escolares na casa da minha avó Duvina e do meu avô João na roça ainda permanecem vivas e as lembranças são tão nítidas que consigo descrever cada detalhe existente na humilde casinha de pau a pique coberta com sapé e que ficava localizada no fundo da chácara.
         Sempre que chegávamos à casa da minha avó a alegria em reencontrar pessoas tão amáveis faziam que fraternos abraços misturados com latidos de cachorros e o abrir da porteira faziam nossos corações dispararem entre choros de alegria.
         Assim que entrávamos na casa íamos direto para a cozinha e lá estava o imponente fogão à lenha construído pelo meu avô João. Algumas linguiças e pedaços de toucinhos eram colocados sobre um pequeno varal feito de cipó e ficavam lá vários dias para serem defumados e servirem para temperos ou serem fritos.
         Ao anoitecer os lampiões eram acesos e após o jantar ser preparado com todo carinho pela minha avó Duvina escutávamos ao longe o coachar de sapos e barulhos estranhos vindo da Mata o que enchiam nossos corações de medo e aflição.
         Grandes e arrepiantes histórias de assombrações sempre aconteciam em volta do fogão à lenha contadas pelo meu avó João e às vezes meu tio Luis dava sua participação entrelaçadas de onomatopeias o que aterrorizava mais ainda era o grande e assombroso riso no final da história que fazia a gente até encolher de tanto medo.
         Alguns estalos da madeira e o tição era retirado para acender o cigarro de palha que meu avô “pitava” e nossas atenções sempre de ouvidos nas histórias e de olho no maravilhoso fogo multicolorido produzido pelo mexer nas madeiras e aquilo era um verdadeiro encanto tão diferente de tudo aquilo que estávamos acostumados a viver.
         Eu adorava quando minha avó colocava uma enorme chaleira com água numa boca do fogão à lenha e dizia que iria preparar um cafezinho que seria servido com uma deliciosa farofa.
         Quantas histórias escutamos ao redor do fogão à lenha! Quantos sorrisos foram ecoados pela humilde casa dos meus avós e as lembranças que nunca irão apagar-se, assim como nunca vi o fogão à lenha apagado. Belas recordações! Fogão à lenha.

MANHÃS DE DOMINGO



        Como gostaria de dormir mais um pouquinho nas antigas manhãs de domingo, mas era impossível, pois existia uma irmãzinha chamada Selma que insistia em ir acordar-me com palavras de carinho e querendo sentar-se no sofá onde meu corpo jazia após uma semana de intenso trabalho como Office-boy numa companhia de seguros no centro de São Paulo.
         Acordava meio contrariado sob risadinhas abafadas da minha irmãzinha e logo ouvia mamãe pedindo para que minha irmãzinha me deixasse dormir mais um pouco e ela saia correndo balançando os ombrinhos  em zig-zag pela sala toda.
         Sentava-me no sofá, colocava os pés no chão e ensaiava as primeiras orações matinais, mas era quase impossível rogar e pedir algo de bom no meio das minhas orações, pois a vozinha estridente da minha querida irmãzinha ecoava por todos os cantos da sala, mesmo assim prosseguia com insistência e após alguns minutos com os olhos fechados compenetrado em minhas orações sentia o aroma maravilhoso do café que estava sendo coado por mamãe, persignava-me, abria os olhos e lá estava minha irmãzinha ajoelhada na minha frente, quietinha e tentando imitar-me, afagava os seus cabelos e ia abluir-me enquanto escutava atrás de mim:
- Bom dia irmão! Tudo bem? Você gostou de eu ter te acordado?
Ensaiava um sorriso fraterno e aproveitava que mamãe não estava vendo e “lascava” uma toalhada nas perninhas gordas da danadinha e lá ia ela correndo para os braços da mamãe dizendo que eu tinha batido nela.
         Naquela época adorava cantarolar algumas músicas enquanto estava tomando banho e sempre lá estava minha irmãzinha do lado de fora pedindo para eu cantar mais alto, pois ela não estava conseguindo escutar qual a canção que estava sendo cantada e eu para “sacanear” começava a mudar a letra da música citando o nome da minha irmãzinha e chamando-a de chatinha entre vários lá lá lá.
         Sentava-se a mesa para o nosso café matinal e éramos presenteados pelo nosso querido pai José da Silva que com o seu sorriso angelical cumprimentava a todos e dava-nos um beijinho na testa e entre nossos sorrisos o café era servido num clima de domingo, com muita calma, algumas piadinhas e nossa ansiedade em querer terminar logo o café para passearmos com papai pelo imenso jardim que existia em frente da nossa casa.

O ORNITÓLOGO



        Existiu uma época em que eu trabalhei como porteiro num parque municipal na cidade onde moro e todos os domingos aparecia por lá um rapaz trajando calças jeans, camiseta branca, um “surrado” tênis e uma máquina fotográfica profissional e ao entrar no parque pedia permissão para poder fotografar os pássaros existentes no local.
         A primeira vez em que ele apareceu no parque o sol ainda estava preguiçosamente começando a surgir no horizonte e a tímida lua negava-se a abandonar o céu entre o chilrear dos pássaros que misturava com os barulhos das folhas das árvores que o vento fraco lançava sobre o meu escritório ao ar livre.
         Consultei a minha encarregada sobre a permanência daquele rapaz no parque e expliquei a ela que o mesmo era um ornitólogo e vinha ao parque somente para fotografar espécies raras de pássaros e ela pediu para que eu acompanhasse a permanência do ornitólogo no parque.
         Recebi a ordem com muito carinho e alegria, pois seria a primeira vez que teria a oportunidade de acompanhar um ornitólogo e aquele momento me pareceu muito apropriado para saber um pouco mais sobre pássaros e sobre a atividade daquele rapaz que a princípio mostrou-se um pouco acanhado com a minha presença ao lado dele e deu-me algumas instruções que como eu deveria comportar-me diante das situações que surgiriam a partir daquele momento.
         Seguia-o a distância e ficava atônito com tanta paciência daquele rapaz que ao ver algum pássaro raro entre as árvores, colocava o dedo indicador sobre os lábios e pedia silêncio absoluto para que o pássaro pudesse pousar delicadamente em algum galho da árvore e ele imediatamente retirava a sua potente máquina fotográfica profissional mirava para o pássaro e lá ficava eternos minutos para capturar o melhor ângulo, a melhor paisagem e eu ficava observando ao longe e ficava encantado quando escutava o barulho da máquina fotográfica sendo acionada e torcendo para que o pássaro tivesse sido fotografado e a foto tivesse uma ótima definição.
         Após fotografar o pássaro observava-o levantar-se vagarosamente e caminhar lentamente entre as árvores mexendo na máquina fotográfica e meu coração ficava muito feliz e aliviado quando observava um sorriso de felicidade no rosto do ornitólogo, pois tinha certeza que a foto tinha sido um êxito e ele imediatamente mostrava a foto através de um pequeno visor como se fosse um troféu, mexia aqui, mexia acolá na máquina e novamente ficava olhando para o topo das árvores para capturar novos pássaros que faziam uma verdadeira festa naquele lindo domingo ensolarado.
         Lá pelas nove horas da manhã, ele guardava a máquina carinhosamente colocando-a na mochila, despedia-se educadamente e retirava-se silenciosamente do parque desejando-me um bom dia e até a próxima semana.
         Então eu voltava novamente para a guarita e ficava imaginando que qualquer dia ainda iria escrever uma crônica sobre o meu amigo ornitólogo que tanto amava e ainda ama os pássaros, assim como São Francisco de Assis.