14 de jun. de 2011

As "peladas"do Pátio do Colégio

       Em 1.971 trabalhava como office-boy numa companhia de seguros na Praça Padre Manoel da Nóbrega, perto da Praça da Sé, no centro de São Paulo. Na hora do almoço, após saborear a excelente refeição preparada com muito esmero por Dona Maria, que era a cozinheira da Cia. onde eu trabalhava, nós office-boys descíamos do vigésimo primeiro andar para dar umas voltas e apreciar o que existia de melhor  naquela época: " A beleza da mulher paulistana".
       Ficávamos sentados num banco existente no pátio do Colégio apreciando todas as meninas que passavam apressadas, vindo não sei de onde e indo para um lugar ignorado por nós, talvez algum banco, loja. Num determinado dia o Artur levou uma bola de futebol carcomida e propôs fazermos uma "pelada" no Pátio do Colégio, inicialmente ficamos um tanto apreensivos, eu os colegas achávamos que poderíamos ser presos, mas aceitamos e dividimos-nos em dois grupos e começamos a dar os primeiros chutes na velha bola de futebol.
        Com o passar dos dias, a "pelada" foi chamando atenção de outros office-boys que passavam apressadamente pelo pátio e pediam para participar, nem que fosse só um pouquinho e todos eram aceitos, a única restrição que fazíamos era que tinha que ser office-boy. Após algumas semanas surrando a bola, sempre no horário do almoço, nossa "pelada" já era conhecida por alguns transeuntes e uma pequena e ruidosa torcida composta de camelôs, engraxates, mendigos e alguns vagabundos que perambulavam pela redondeza que paravam para observar aquele bando de moleques sem juízo correndo em pleno centro da maior cidade da América Latina.
         Dois garotos tiravam "par ou ímpar" e começavam a escolher os "craques" que iriam compor o time, geralmente os garotos com porte físico avantajado tinham a preferência e rapidamente eram os primeiros a serem escolhidos, ficando os "miudinhos" e raquíticos para serem escolhidos no final ou aceitavam o ingrato convite para ser gandula.
         O jogo de futebol era muito divertido, pois tudo era improvisado, desde as traves que poderia ser dois pedaços de pedras subtraídas da construção do metrô da Praça da Sé, que estava sendo construido ou uma maleta 007 de algum office-boy ou mesmo um saco de roupas sujas de qualquer mendigo torcedor.
         Inicialmente não existia juiz, mas com o passar dos dias e aumentando o número de jogadores, aceitamos a sugestão de alguns torcedores e resolvemos "escalar" um juiz. O mais difícil era convencer um garoto office-boy a aceitar ser juiz,. cargo tão decisivo e perigoso, visto que qualquer desentendimento era fácil observar o juiz levando alguns cascudos, pegar sua maleta 007 e sair xingando a todos e ir embora; outro dia voltava, mas não aceitava ser juiz de jeito algum.
         Em toda partida de futebol, escolhe-se o melhor jogador em campo, na nossa "pelada" os torcedores escolhiam o pior jogador do Pátio e era dificílimo a escolha, pois um era pior que o outro, éramos verdadeiros "pernas de pau", mas sempre existia o piorzinho de todos e não envergonho-me de ter sido escolhido algumas vezes, poucas vezes, mas.... Esse garoto que era escolhido " o pior" era zombado em plena rua aos gritos por outros office-boys e mesmo dentro de algum banco da Rua XV de Novembro, enquanto aguardava pacientemente na quilométrica fila podia ouvir-se " E aí pior!". Quando tinha sido escolhido, nem ligava, fazia de conta que não era comigo, mas que dava um "odiozinho" dava.
          Aconteceu uma partida inesquecível em que participaram quarenta e quatro office-boys, vinte e dois de cada lado, acho que todos os office-boys dos escritórios da redondeza estavam lá naquele dia, tinha mais jogadores que torcedores no Pátio,infelizmente neste dia a partida foi interrompida por policiais de trânsito, que vendo aquele bando de garotos atrás de uma bola resolveram parar para observar o que estava acontecendo. Paralisaram nossa partida de futebol e tentamos explicar que era apenas uma "pelada", que não estávamos prejudicando ninguém, a não ser algumas boladas que alguns transeuntes levavam, é claro, que a gente era trabalhador (office-boys), etc, etc. Não houve jeito, confiscaram nossa bola e pediram delicadamente para que voltássemos para nossos escritórios.
           Mas a gente não se  preocupava, pois no outro dia outro colega trazia outra bola e lá  estávamos nós correndo pra lá e pra cá novamente, mas sempre de olho nos policiais de trânsito.
            Estava chegando o final do ano e resolvemos promover um mini campeonato entre nós office-boys dos escritórios da região e decidimos que o mesmo seria realizado em pleno Pátio do Colégio e somente office-boys poderiam participar. Ficou estabelecido entre nós que o campeão ganharia um troféu, uma quantia em dinheiro e seria necessário os times ter camisetas próprias com o nome do escritório. Quando o campeonato começou era muito lindo ver a molecada abandonada dentro de lindas camisetas ostentando o nome do escritório, soubemos mais tarde que até alguns supervisores e gerentes de escritórios patrocimaram algumas camisetas, mas pediam para não serem identificados, pois poderiam ser demitidos pela ilegalidade do campeonato e pelo local ser um espaço público. 
            Faltando alguns dias para o dia do Natal já estava definido os dois times finalistas,os jogos aconteceram em duas semanas, após várias partidas acirradas, no estilo "perdeu, cai fora", o tradicional "mata-mata".  Os dois times finalistas eram o nosso e de um outro escritório pertencente a um banco da rua Boa Vista.
golaço, mandando a bola na Rua General Carneiro, quase acertando a cabeça de um camelô. No segundo tempo novamente o Artur nos presenteou com outro gol maravilhoso. Resultado final, ganhamos  a partida por 2x0. Éramos Campeão! Abraços misturavam-se com gritos de: É Campeão!
            Atravessamos a Rua XV de Novembro aos gritos de "É Campeão!" e fomos comemorar nossa vitória comendo sanduiches de linguiça calabresa com guraraná na Tua do Tesouro. 
             Lá estava nosso troféu em cima do balcão de vidro e a cada mordida em que eu dava no meu sanduiche, olhava para o troféu com um orgulho danado em ter sido Campeão. Campeão da "pelada" do Pátio do Colégio.

Circo na periferia da cidade de São Paulo

            O que poderia existir de mais belo que a chegada de um circo na periferia da cidade de  São Paulo na década de 70? Absolutamente nada era mais belo e emocionante para nós adolescentes moradores no querido bairro Cidade A.E.Carvalho, zona leste da cidade de São Paulo.
             Quando aquelas carretas enormes e multicoloridas passavam na Av.Campanelas e estacionavam em frente à Praça Ana das Dores, "a pracinha", nossos corações disparavam de alegria e os corações de nossas mães disparavam de aflição, pois sabiam que seria quase que impossível segurar seus filhos em casa.
             A molecada chegava sorrateiramente, perscrutando o local e os trabalhadores braçal com perguntas tolas, tais como: Como é o nome do circo? Quando irá estrear? Tem bichos? Qual é o nome do palhaço?
Os trabalhadores bem mal humorados e suando muito restringiam-se a dar respostas curtas, sempre tirando enormes tábuas dos caminhões, empurrando ferros, esticando lonas, sem parar e sem olhar para cara de ninguém. E nós continuávamos "xeretando" aqui e ali e lá estavam os artistas dentro de um enorme trailler lanchando tranquilamente e rindo alto, denunciando que estavam muito feliz. Os dias iam passando e o circo ia sendo montado, dia e noite de trabalho e após dois ou três dias o mesmo já estava montado. Lindo, majestoso, imponente! mudando toda a paisagem da pracinha.
              E eis que chega o grande dia da estreia e nota-se uma enorme placa com os dizeres: Grande estreia! Domingo às 15hs o circo Cigano convida você e sua família para assistir o maior espetáculo da Terra! Acontecia duas sessões, às 15hs e às 20hs e sempre íamos nas duas sessões, sendo que na segunda sempre levávamos nossas namoradinhas.
              Alguns alto-falantes eram esparramados pelo lado externo do circo e tocavam várias músicas orquestradas, Carlos Gonzaga com uma música chamada Diana e várias músicas de  Roberto Carlos. Entre pipoqueiros, vendedores de algodão doce esparramava-se nossa Felicidade.
               Segurando a mão da minha namoradinha comprava os ingressos e um enorme saco de pipocas e entrávamos vagarosamente, prestando atenção em tudo e em todos. Sentávamos na arquibancada feita de madeiras, bem lá no alto e ficávamos aguardando ansiosamente o inicio do espetáculo.
               Várias crianças corriam pra lá e pra cá e várias gargalhadas eram ouvidas dentro do camarim. Repentinamente a música cessava, abria-se as cortinas e entrava o apresentador trajando um "flaker" preto e com uma voz rouca anunciava-se o início do espetáculo, sempre agradecendo nossa presença.
               O apresentador saia do palco, anunciando dois palhaços que entravam dando piruetas e muito tapas, caiam e levantavam-se constantemente, levando o público ao delírio de tanto rir.
               Aplausos e mais aplausos misturavam-se com gargalhadas e alguns assobios. Nossos corações ficavam disparados quando as trapezistas começavam a subir uma escada feita de corda, o silêncio era total até que elas posicionavam-se lá no topo e começavam-se a balançar sem parar até que uma delas lançava-se no ar indo segurar a mão da outra. Sentia as mãos da minha namoradinha toda trêmula e suadas, encostávamos nossos corpos em sinal de apreensão e medo, batíamos palmas nervosamente e ficávamos aliviados quando tudo terminava. E novamente lá estavam os palhaços estapeando-se e risos e gargalhadas ecoavam ao longo do circo. O espetáculo não durava mais que duas horas, mas para nós parecia que eram apenas alguns minutos.Ficávamos muito tristes quando os artistas despediam-se curvando-se elegantemente para agradecer sob muitos aplausos e assobios.
                Fechavam-se as cortinas e nossos corações ficavam pequenininhos, era hora de voltar para casa comentando as principais atrações e combinando voltar no próximo final de semana para assistir o maior espetáculo da Terra. O circo, o circo da Periferia