2 de nov. de 2011

MEU AMIGUINHO COSME


        Eu tinha apenas nove anos de idade, isto lá pela década de 60, exatamente em 1964, morava na Rua Mangalot, na Parada Inglesa, bairro da zona norte de São Paulo.
       Vivia uma vida de príncipe e estudava numa boa escola do nobre bairro e tinha um vizinho que ficamos muito amigos chamado Cosme.
        Cosme era um garoto muito bonzinho, falava muito baixo e sorria alegremente para a vida e constantemente eu o via indo para escola onde eu estudava.
       Eu estudava a tarde e sempre mamãe ia levar-me a Escola Primária e sempre Cosme nos acompanhava, pois o mesmo ia sozinho para escola. Entre sorrisos, algum chute em pequenas pedras que estava no nosso caminho estreitou nossos pequenos laços de amizade.
       Eu e Cosme estudávamos na mesma escola, na mesma sala de aula do terceiro ano do curso Primário e ficamos muitos amigos. A classe era a mesma, a Professora Judite adorava Cosme, pois ele era um garoto muito inteligente.
      Naquela época antes de entrarmos para a classe a gente cantava o Hino Nacional e aguardávamos a professora na fila, era um respeito muito grande com nossos mestres.
      Com o passar do tempo e já estando acostumado com o trajeto, mamãe liberou para que eu fosse sozinho para escola e sempre ia junto com o meu amiguinho Cosme. Naquela época nós éramos muito comportados, pois andávamos na beira da pouca movimentada rua, falávamos sobre nossas brincadeiras da nossa escola e jamais parávamos antes de chegar na escola.
     Inesperadamente mamãe pediu-me gentilmente que eu fosse sozinho para escola e não tivesse a companhia de ninguém, inicialmente achei estúpido o pedido, mas procurei seguir o conselho de mamãe e refutava a presença do amiguinho Cosme que tanto insistia em ir junto comigo para escola. Dizia que mamãe não queria absolutamente ninguém indo junto comigo para escola e ele sempre me dizia que não haveria problemas em nos encontrarmos após perdermos nossas mães de vista e assim a gente seguia sendo amiguinhos: Após atravessarmos o imenso jardim e sairmos do raio de visão das nossas mães a gente se encontrava e íamos felizes para nossa escola sempre chutando algumas pedras, falando sobre nossa professora, rindo alto e falando baixo, muito baixo para que nossas  mães jamais percebessem que a gente se encontrava escondido delas.
    Já chegando no final do ano, saia de casa e ficava aguardando o meu amiguinho Cosme e nada dele aparecer, aguardava alguns minutos e seguia muito triste para escola sem a presença do amigo.
   Foram vários dias sem a presença de Cosme e num determinado dia enquanto estava aguardando o meu amiguinho Cosme passou um carro da funerária e alguns carros seguindo o mesmo, abaixei a cabeça em sinal de respeito, persignei-me e segui para escola muito triste, com o coração apertado, muito apertado.
   Naquele dia senti algo muito estranho, uma tristeza muito profunda no meu coração e ao chegar em casa mamãe comentou que meu amiguinho Cosme tinha morrido e tinha sido enterrado naquela tarde. Desabei a chorar desesperadamente enquanto era contido por mamãe que também me acompanhou nas lágrimas de sentimentos pelo meu amiguinho Cosme.

A COVEIRA


      Todo mundo tem amigos na vida, mas ter uma amiga que é coveira é pra poucos, muito poucos. Pois eu tive este privilégio de conhecer uma moça que é coveira aqui na cidade onde moro.
     Eu a conheci quando estava esperando chegar o corpo de um querido parente no portão principal do cemitério da cidade, eu estava fazendo uma grande reflexão sobre a vida quando olhei e lá estava uma moça sorridente, vestida com uniforme do cemitério, sentada sobre um túmulo. Não tive dúvida, era ela que tinha passado no último concurso, do qual participei para o cargo de Agente Comunitário. Aproximei-me e comecei a fazer algumas perguntas sobre o concurso, o porquê ter escolhido o cargo de coveira e comentei que tinha um blog onde contava histórias verídicas sobre o meu cotidiano e pedi autorização para escrever sobre ela e ela prontamente propôs a detalhar um pouco sobre o nobre cargo.
     Conversamos alguns minutos e fiquei sabendo muito sobre a vida no cemitério, sobre o difícil começo, a desconfiança dos colegas de trabalho, e repentinamente chegou um lindo carro preto trazendo o finado, despedi-me da coveira e fui acompanhar o enterro.
     Passado algum tempo, lá estava eu trabalhando como porteiro num Parque da cidade, eu estava na portaria principal e refletindo sobre o nada e lendo um pequeno livro e eis que aparece a coveira, ela estava transpirando muito e muito cansada, pois tinha ido pagar algumas contas na cidade e optou em passar pelo parque porque era o caminho mais curto.  Cumprimentou-me e disse estar muito apressada e precisava ir, pois naquele dia tinha morrido muitas pessoas. Rapidamente coloquei minha cadeira do lado de fora da guarita e pedi carinhosamente que se sentasse e descansasse um pouquinho que eu iria pegar um copo de água gelada para amenizar o calor.
    Peguei um pedaço de papel e dei a ela para enxugar o suor e ela ficou encantada com minha atitude e perguntou-me zombando o porquê de tanta dedicação e tanta gentileza e rapidamente sorri e disse: Pois é colega, tenho que tratá-la muito bem agora, pois daqui a algum tempo sou eu que estarei no seu local de trabalho e aí você lembrará quando passou por aqui e foi tratada muito bem e assim não jogará terra diretamente na minha cara e me tratará com muito carinho e  talvez até dirá  para algum presente daquele momento maravilhoso que esteve no Parque: Era gente boa, agora pertence aos vermes! Deixa comigo que eu enterro! Vai com Deus amigo! Fui! rsrsrsrs

AQUELE ABRAÇO


      Você combinou com os amigos beber aquele chopinho bem gelado à noite, combinou com a namorada levá-la ao cinema após  o happy-hour, passear no Parque domingo de manhã, pagar suas contas atrasadas, atualizar seus e-mails, terminar de ler aquele livro abandonado na estante faz meses, terminar seu tratamento dentário, passear na praia, ir ao cabeleireiro e no finalzinho da tarde morre.
      Poxa, isto é muito triste! Devemos fazer um protesto e exigirmos que a Morte seja anunciada, seja agendada. Nada de aparecer “de repente” e ir abraçando a gente sem ao menos dar tempo de escolhermos nossas camisas mais bonitas, passar o perfume mais gostoso, dar alguns beijos nas pessoas queridas e deixar o dinheiro para pagar as contas.
      Então aquelas fórmulas matemáticas aprendidas com tanto esforço, noites e noites estudando, provas, simulados, aulas de inglês, concursos, vestibular, faculdade e quando senta-se no banco da praça, lá está uma mulher muito linda, perfumada que começa a conversar com você e repentinamente você sente uma dor muito forte no peito, ela sorri marotamente e diz: Pois é velhinho, chegou sua vez! Prazer, sou Dona morte, vim buscá-lo, faz o favor de acompanhar-me.
     Mas o pior de tudo e não ter tempo de despedir-se de ninguém. Não há “saideira” para a Morte!
     Colocam um terno horrível em você, ajeitam sua face, te enfiam num caixão, ficam falando baixinho e rezando incessantemente. Que nada, gostaria de escolher a roupa que iria, nada falar baixinho, quero muitas piadas e sorrisos estridentes e algumas rezas para não contrariar os mais devotos.
     Bem que poderiam colocar algumas boas músicas de Tom Jobim, Chico Buarque, recitar alguns poemas de Neruda, Cecília Meireles, Jorge Luis Borges, Vinícius de Moraes e tantos outros.
    Não, não pode, ela está sempre apressada, afinal existe um cronograma a seguir e o tempo é precioso. Por isso amigo, viva tudo que há para viver, não se apegue as coisas pequenas e inúteis da vida....Perdoe....Sempre!
    Nunca, jamais adie qualquer sonho e viva-o agora porque talvez no próximo segundo você possa pertencer aos vermes que irão rir da sua cara medíocre.