A
minha vida andava muito tranquila, afinal eu tinha conseguido um emprego numa
padaria como balconista e ganhava o suficiente para manter os meus gastos do
cotidiano.
Entre
eu atender um freguês e outro ainda existia inspiração para cantarolar alguma
canção do querido cantor Roberto Carlos e a cada dia que passava o meu carisma
foi esparramado pelos quatro cantos da pacata cidade do interior.
Naquela
Sexta-feira entrei na padaria e entre um abraço e outro nas minhas colegas de
serviço antes de começar a servir os primeiros fregueses fui chamada pelo dono
da padaria para atender um telefonema.
- Alô, é a senhora Maria da
Caridade? E eu respondi um pouco apreensiva.
- Sim, sou eu mesmo, em que
posso ser útil?
- Olha dona Maria, aqui quem
fala é o diretor do abrigo de menores e tenho uma proposta para a senhora em
acolher algumas crianças adolescentes que a senhora tanto conhece.
Um pouco espantada eu disse:
- Olha moço, o senhor deve
estar enganado, afinal eu não conheço nenhuma criança! E desliguei o telefone e
fui lavar as louças que estavam sobre a pia da padaria e enquanto a água da
torneira deslizava pelo ralo, o barulho de copos e pratos sendo colocados no
escorredor fiquei pensando o que aquele senhor queria comigo e imediatamente
fui convocada para atender um novo telefonema e para a minha surpresa do outro
lado estava a mesma voz suplicando a minha presença no abrigo.
Desliguei
o telefone e pedi para o dono da padaria para ir até o abrigo e assim caminhei
até o mesmo e lá chegando fui recebido por uma senhora muito simpática que
levou-me até uma sala onde estava o diretor do abrigo.
- Olá dona Maria da
Caridade, pode sentar que tenho uma proposta maravilhosa para a senhora.
Um
lindo quadro da Santa Ceia estava na parede e enquanto o diretor do abrigo
falava dos menores eu ficava imaginando ao lado de todas crianças desamparadas
do Mundo e foi quando o diretor pediu para a bondosa senhora do abrigo para ir
buscar as duas crianças para eu vê-las e passados alguns minutos dois
adolescentes entraram e ficaram na minha frente com as cabecinhas abaixadas e
um olhar de abandono.
Levantei-me
e fui até os adolescentes e dei um demorado abraço repleto de carinho nos dois
e deixei rolar algumas lágrimas pelo meu rosto e aceitei a adoção não só dos
dois e disse laconicamente que aceitaria adotá-los se pudesse adotar também os
irmãozinhos dos mesmos.
O
diretor cofiou a longa barba, abriu alguns papéis e ficou de dar a resposta no
dia posterior.
Cheguei
na padaria e recomecei o meu trabalho de balconista e enquanto eu estava
atendendo um freguês o telefone tocou novamente e eu fui atender e escutei a
mesma voz do diretor do abrigo:
- Dona Maria da Caridade,
aqui quem fala é o diretor do abrigo e a decisão já está tomada, pode passar
aqui no abrigo e levar todas as crianças solicitadas para a sua residência
enquanto a senhora aguarda o processo de adoção. Felicidades e muito obrigado
por este nobre gesto de caridade.
No
dia seguinte lá fui eu até o abrigo no horário marcado pegar as crianças para
conduzir até minha residência e dar todo o meu carinho para todos.
A
alegria estava no rosto de todos e as crianças que no total eram oito estavam
perfiladas e cada qual com uma malinha na mão e quando eu estava colocando
todas as crianças numa Kombi para conduzir para minha casa o diretor
aproximou-se de mim e disse:
- Dona Maria da Caridade,
esta criança é a mais novinha, tem apenas quatro meses e necessita de muita
atenção e depositou a pequenininha nos meus braços.
O
motor da velha perua roncou, o motorista engatou a primeira marcha e alguns
pingos de chuva começaram a cair e eu fiquei olhando para as crianças e deixei
novamente meu rosto ser molhado por mais algumas lágrimas de felicidade e foi
quando eu escutei:
- Obrigado mamãe! Deus
abençoe a senhora!
Chegamos
na minha casa e eu fiquei pensando como faria para abrigar tanta criança no exíguo
espaço existente na minha propriedade, como faria naquele dia para abrigar a
todos, onde dormiriam, como alimentá-las e foi quando escutei a campainha tocar
e quando fui atender quase tive um enfarte.
Um
enorme caminhão estava parado em frente à minha casa e alguns homens começaram
a descarregar beliches, colchões, cobertores, mantimentos e após tudo ser
colocado no devido lugar ouvi um Muito Obrigado do motorista do caminhão e
ainda recebi um enorme abraço do diretor do abrigo que deixou um número de
telefone disponibilizando vinte e quatro horas por dia para qualquer
necessidade.
Pedi
para minha filha ficar com todas as crianças e entrei silenciosamente no meu
quarto, ajoelhei-me diante de Nossa Senhora da Aparecida e fiz uma oração para
que me desse muita força, saúde e perseverança em criar aquelas lindas crianças
até tornarem-se adultas e pudessem seguir o próprio caminho.
Acabei
saindo da padaria para cuidar das crianças em tempo integral e a partir daquele
dia a minha vida se transformou em uma alegria inefável e hoje quando estou
sozinha fico pensando naquele dia em que fui abraçada por aquelas mãozinhas e não resisto e deixo rolar algumas lágrimas
de Felicidade e fecho os meus olhos e digo tartamudeando: Obrigado Senhor por
dar-me tanta força e alegria ao lado dos meus anjinhos!