A missa de domingo terminava e o padre anunciava que iria começar os preparativos para a tradicional quermesse que acontecia no mês de Junho para homenagear os três santos: Santo Antônio, São João e São Pedro. Nós garotos ficávamos muito feliz, pois enquanto o padre pensava em arrecadar alguns trocados para a paróquia, nós poderíamos participar da festa em toda sua plenitude e se desse sorte até conhecer novas garotas.
Éramos os primeiros a dar o nome para participar como voluntários na arrumação das barracas de guloseimas. Tudo era uma grande diversão e aproveitávamos nosso encontro para colocar nossas pífias conversas em dia e mais falávamos do que trabalhávamos e constantemente levávamos "um pito" ( uma advertência) do padre que pedia mais empenho, mais seriedade com relação ao serviço, pois o mesmo lembrava-nos quanto ao prazo estipulado para o início da querrmesse.
às vezes parávamos de executar um determinado tipo de serviço para conversar com alguma menina conhecida que passava em frente da igreja vindo da feira com a sacola cheia de frutas e verduras e novamente éramos presenteados com uma enérgica bronca do padre, sempre vigilante e presente, entre um beijinho no rosto da menina e um tchauzinho sempre de olho no rosto enfurecido do padre, voltávamos ao serviço, sempre sorridentes.
No segundo final de semana do mês todas as barracas já estavam montadas e supervisionadas pelo padre que fazia questão de agradecer a todos e esquecendo nossas paqueras.
O locutor oficial da quermesse era o meu amigo Israel que embora tivesse um gosto musical duvidoso e de muito mal gosto era muito querido e conhecido de todos. Nessa época eu trabalhava numa fábrica de cintos no bairro de Artur Alvim e cursava o primeiro ano do ginásio no Álvares de Azevedo em Itaquera, à noite.Todos os dias meu amigo Israel ia levar uma marmita no almoço que era preparada com muito esmero por mamãe. Dividia meu insignificante salário com o meu amigo Israel e mamãe e o que sobrava guardava para ir à quermesse nos finais de semana.
No primeiro dia da quermesse eu fazia questão de ir com minha melhor roupa e nesse dia era um dia todo especial. Vestia minha calça boca de sino, que era o estilo da época, era uma calça azul escuro com listras brancas e cintura alta até o estômago, camisa de seda branca, mangas compridas, bem larga e que tinha custado quase um salário mensal. Lustrava os sapatos que tinha um salto enorme chamado de "carrapeta" e colocava um cinto fabricado por mim e tinha uma fivela enorme. Pronto, sentia-me um verdadeiro "toureiro", repartia os cabelos cumpridos ao meio, colocava um perfume comprado na lojinha da dona Matilde e saia erecto em direção a tão aguardada quermesse da igreja.
Chegava na quermesse e era recebido com alguns assobios dos amigos Israel e Luisão, que eram irmãos, chamando-me de "lindo!, lindo!"Ficava envergonhado e meu rosto ficava mais vermelho do que já era, mas não importava-me e ia em direção a eles pedir para tocar uma música que eu gostava muito, chamada Rock rol lo lo by, cantada por B.J.Thomas, era sucesso na época e todos gostavam. Lá pelas oito da noite a quermesse já tinha pessoas suficiente para iniciar o tradicional bingo e sempre participávamos pagando um insignificante quantia em dinheiro e às vezes ganharmos alguns "bebelôs"de argila que eu trocava por bolinhos caipiras e quentões.Existia o "Correio Elegante" que era um bilhetinho que recebíamos de alguma paquerinha enaltecendo nosso trajar ou nossa obscura beleza de adolescente. Não só recebíamos como mandávamos também para as meninas mais belas da quermesse e nem sempre éramos correspondidos.Mas tudo era festa e nada do Mundo pagava o encanto daquele momento único e maravilhoso. E subitamente éramos interpelados por um grupo de meninas bonitas e falantes, agarrando-nos pelo braço e dizendo que estávamos presos. Lá estávamos dentro de uma cadeia feita de bambu que eu ajudara a construir e claro que não apresentava resistência alguma diante de braços tão meigos e fazíamos questão de ficarmos presos e com um olhar de piedade pedir para as meninas libertar-nos que elas ganhariam um beijo. às vezes éramos atendidos, mas às vezes ficávamos vários minutos no cárcere,humilde e escutando a voz rouca do amigo Israel no alto-falante pedindo que alguém tivesse piedade e fosse soltar-nos. Aquilo doía na alma e assim que saia da prisão ia até o meu amigo pedir explicações e ele sorria largamente e oferecia-me outra música, dessa vez..Roberto Carlos. Anunciava os bolinhos caipiras, os quentões, a maçã do Amor, a barraca da linguiça e outras e convocavam-nos para assistir a apresentação da quadrilha que era composta de várias crianças do bairro, trajando como caipirinhas. Era divertidíssimo e muito engraçado.às 23 horas anunciava-se o final da quermesse e todos iam retirando-se e nós ficávamos para ajudar as senhoras a recolher panelas, fogões e outros utensílios.Desligava-se o som, fechava-se as portas do salão paroquial e era hora e voltar para casa, transpirando muita felicidade e alegria e aguardar o próximo final de semana para participar da quermesse da Igreja da Cidade A.E.Carvalho.