15 de dez. de 2012

PÉROLAS DO COTIDIANO



        Existem alguns momentos durante o meu trabalho que resolvi colocar o nome de “Pérolas do Cotidiano”.
        A quantidade de pessoas que frequentam diariamente o Laboratório de Análises Clínicas é surpreendente e pessoas de todos as classes sociais aparecem por lá para realizar exames clínicos e de vez em quando aparece alguma pessoa que imediatamente relaciono nas Pérolas do Cotidiano.
        Recentemente eu estava marcando consultas para um senhor de 92 anos de idade e quando perguntei a idade que ele tinha ele disse:
- Olha garoto, até os oitenta anos eu contei, depois perdi as contas, “desacorçoei” e sorriu alegremente dando sinal que viveria muitos anos com aquele maravilhoso senso de humor.
        Em outra oportunidade apareceu um velhinha quase na casa dos 100 anos, exatamente 98 anos e resolvi perguntar a ela qual era a receita de longevidade e ela caminhando lentamente com a ajuda da sua bisneta disse:
- Olha senhor é necessário movimentar-se constantemente e viver feliz com aquilo que o senhor tem! E saiu caminhando lentamente pedindo para eu ser feliz.
        E lá estava um garotinho bem gordinho em jejum de oito horas encostado num canto do laboratório aguardando pacientemente o momento de fazer os exames e suplicando para sua mãe que deixasse comer apenas uma coxinha do ambulante que fica em frente ao laboratório e ela dizia:
- Fica quietinho que depois dos exames eu pago duas coxinhas pra você! E o garotinho com ar de súplica e muita fome pediu para a mãe para beber água no bebedouro que fica do lado externo e a mãe permitiu e ela rapidamente foi correndo até o ambulante e solicitou a venda de uma coxinha para sua mãe que estava passando muito mal de tanta fome e colocou toda a coxinha na boca, mastigou rapidamente e engoliu e veio limpando a boca e disse à mãe que tinha bebido água e a mãe resolveu certificar com o ambulante sobre a venda da coxinha. Ela ficou muito zangada com filho e foram embora com um olhar de satisfação do gordinho. O gordinho tinha “quebrado” o jejum e não foi possível fazer os exames.
        Abri cautelosamente o livro e escrevi o nome de um senhor idoso e enquanto eu estava marcando a data e disse que haveria a necessidade de ficar doze horas sem comer absolutamente nada, olhei de soslaio e observei que aquele senhor começara a chorar e perguntei a ele se estava passando bem e ele disse:
- Estou sim senhor, é que toda a vez que tenho que ficar sem comer nada, lembra-me quando eu era muito pobrezinho e era obrigado a fazer jejum obrigatoriamente por não ter absolutamente nada para comer, o senhor me desculpa? E saiu vagarosamente com seu pedido de exames enxugando as lágrimas com um lenço. Não me contive e deixei meus olhos lacrimejarem por alguns instantes.
        Cotidianamente estou cadastrando mais e mais pérolas do Cotidiano e sempre aprendendo com pessoas que estão passando por momentos muito difíceis e dando valor a cada segundo vivido neste Planeta.

COTAS DE PALAVRAS




       Recentemente foi publicada uma pesquisa que teve a “paciência” de contar quantas palavras uma mulher fala por dia e chegaram ao surpreendente número de 30.000 palavras cotidianamente.
        Existiu uma época em que trabalhei numa fábrica de remédios onde trabalhavam aproximadamente umas 800 mulheres e todos os dias éramos obrigados a ouvir as 800 mulheres falando simultaneamente e existia determinado momento que apenas o protetor auricular não era suficiente para barrar o “falatório” das queridas colegas de trabalho.
        Num determinado dia eu e um colega de trabalho chamado Nelson resolvemos estabelecer uma cota de palavras por dia para as colegas de trabalho e assim a gente colocava um determinado número num papelzinho e entregávamos as colegas e pedíamos que falasse somente aquela quantidade de palavras naquele período e ajudasse-nos a combater a poluição sonora no nosso ambiente de trabalho.
        Quantas vezes nós fomos zombados com a tal da brincadeira, mas garanto que muito valia a brincadeira, pois a existência de um pequeno lembrete no papelzinho dizendo: Após sua cota encerrada, fique quieta, pois só assim começaremos a gostar de você!
        Mas a brincadeira ia mais longe, pois enquanto a gente embalava milhares de remédios tentávamos criar uma história que reduziria drasticamente a quantidade de palavras faladas pelo ser humano e assim era a história:
        Assim que nascêssemos a gente receberia uma cota de palavras e um contador regressivo e a cada palavra falada ia abatendo do contador até que a cota terminasse e a pessoa ficasse muda e aí a gente se divertia observando algumas colegas de trabalho e dizíamos:
- Tá vendo a Regina como fala, esta com apenas 20 anos garanto que ficaria muda! E a Tati também fala muito, garanto que aos doze anos de idade não pronunciaria mais nenhuma palavra.
        E nossa mente divagava longe do ambiente de trabalho e ficávamos pensando em vários vendedores, palestrantes, alguns apresentadores da TV e sorríamos largamente.
        Nossa brincadeira durou pouco, pois algumas colegas de trabalho temendo ficarem mudas denunciaram a gente para nossa supervisora que gentilmente pediu para que ficássemos calados. E assim prosseguíamos quietinhos embalando nossos milhares de remédios e sempre pedindo aos nobres pesquisadores farmacêuticos que inventassem um remédio que fizessem as meninas ficar quietas.
        O tempo foi passando passando e nossa cota de palavras acabou e a mulherada continuou a falar desesperadamente e nós ficamos quietinhos num canto da fábrica observando a beleza das palavras faladas pelas queridas colegas de trabalho.

PRAIA DA FAZENDA



         E após percorrer a Rodovia Rio-Santos entre Caraguatatuba e Paraty entrando e saindo de praias vendendo meus sucos de laranja natural acabei conhecendo uma praia que era um verdadeiro paraíso, chamada: Praia da Fazenda em Ubatuba-Sp.
         A primeira vez que estive nesta praia, fiquei encantado com tanta beleza natural e passados alguns meses resolvi passar alguns dias de férias em Ubatuba e entre algumas praias existentes no meu roteiro de férias estava a Praia da Fazenda.
         Era uma daquelas segundas-feiras preguiçosas em que todo turista dorme até um pouco mais tarde e foi exatamente numa segunda-feira que decidimos passear nesta linda praia.
         A pequena mochila contendo apenas nossos trajes de praia, óculos de sol e um vidro de repelente para espantar os "borrachudos" fora arrumada no domingo à noite e ficamos ansiosos para o dia raiar e partirmos para nosso passeio encantador.
         Precavi-me em passar em uma padaria e comprar alguns pães, mortadela, queijo, refrigerante e algumas cervejas para podermos degustar ao longo do dia na praia, pois já sabia da inexistência de comercio na mesma e lá fomos nós pegarmos o ônibus para o Núcleo de Picinguaba.
         A viagem do centro de Ubatuba até a Praia não passa de uma hora e assim que entramos no ônibus, pagamos nossas passagens e recebemos um encantador bom dia de uma simpática cobradora que muito bela e sorridente começou a conversar conosco e dar detalhes sobre a praia entre os primeiros raios de sol que surgiam iluminando toda nossa felicidade.
         A curta viagem pela estrada vai abrindo sobre nossos olhos a visão de várias praias maravilhosas e o aroma agradabilíssimo do ar espalhando nossos cabelos entre sorrisos de felicidade nos levava ao Céu.
         Descemos na estrada e caminhamos alguns minutos até a Praia e a inexistência de qualquer ser humano deixou-me muito feliz e a sensação naquele momento foi indescritível, pois se existisse a possibilidade de pararmos um momento em nossa vida, com certeza aquele momento estaria incluído na relação.
         Calmamente instalamos nosso guarda-sol na branca e limpa areia da praia, esticamos uma esteira, armamos nossas cadeiras de praia e ficamos eternos minutos apreciando a beleza das ondas que suavemente vinham nos saudar batendo nos nossos pés. Alguns cantos de pássaros eram ouvidos e tudo era encanto, qualquer lugar onde nossa visão conseguia alcançar era beleza espalhada pela natureza.
         Resolvemos entrar no mar sem nenhuma roupa, completamente nu para podermos aferir a inexistência de qualquer ser humano na praia e assim fizemos e passados alguns minutos dentro da água escutamos ao longe o barulho de uma moto que foi aproximando-se e veio ao nosso encontro e subitamente parou a nossa frente e desceu um guarda florestal perguntando se tudo estava bem e nós morrendo de vergonha e tomando toda a precaução para não expormos nossa nudez dissemos que tudo estava maravilhosamente bem, o guarda subiu na sua moto e foi fiscalizar a extensa praia e assim que ele saiu nós saímos da água do mar e fomos nos vestir o mais rápido possível, muito envergonhados.
         Lá pelas dez horas resolvemos fazer uma caminhada pela praia para explorarmos toda a beleza existente na mesma e ficamos encantados com a existência de uma bica de água que caía sobre as águas do mar e lá ficamos alguns minutos nos refrescando do intenso calor daquele dia.
         Saímos da bica e entramos numa trilha e caminhamos alguns metros e logo desistimos em continuar e voltamos para praia para visitar um pequeno museu existente na praia, no núcleo de Picinguaba e os trabalhos e esclarecimentos aos turistas quanto à preservação da natureza é maravilhoso.
         Estávamos sentados confortavelmente nas nossas cadeiras de praia conversando sobre aquele momento único e maravilhoso quando vimos ao longe um caiçara com uma enorme caixa de isopor e resolvi “puxar prosa” com o caiçara.
- Bom dia, o Senhor mora neste Paraíso? Perguntei ao homem e ele disse:
- Pois é, moro aqui desde que me conheço por gente.
- Sabe, gostaríamos muito de almoçar, o senhor conhece algum restaurante por aqui?
         O homem sorriu, passou a mão pela imensa barba e disse:
- Olha moço, aqui não tem restaurante não..mas se vocês estão com muita fome pode ir lá em casa que minha “veinha” fez galinhada com arroz fresquinho e tá uma delicia!
         A simplicidade daquele caboclo, homem do mar, deixou-me comovido e disse a ele que aceitaria almoçar com a família dele e assim combinamos que dentro de alguns minutos estaríamos na casa dele.
         O homem afastou-se lentamente e disse: Olha to aguardando vocês lá na minha choupana!
         A minha “patroa” olhou bem nos meus olhos e disse:
- Caramba Luiz, você não tem jeito não! “Serrar” comida na casa do caiçara! E nós vamos almoçar lá? E eu imediatamente disse:
- Claro que iremos, afinal ele nos convidou e é falta de cortesia desprezar tão nobre convite.
         Desarmamos nosso guarda-sol e seguimos até a casa do caboclo com a barriga roncando de tanta fome, pois já passava das duas horas da tarde.
         Assim que chegamos na humilde casa do pescador ele nos convidou a entrar e disse:
- Olha vocês não repare na simplicidade, esta simples casa foi construída por mim e esta é minha esposa e meus filhos. Abraçamos um por um entre o ciscar de algumas galinhas de rondavam nossos pés e sentamos num enorme banco de madeira colocado ao lado de uma enorme e rústica mesa de madeira sob um enorme pé de abacate e logo apareceu a esposa do pescador com um enorme caldeirão e colocou sobre a mesa ao lado de uma panela cheia de arroz.
         Um pouco envergonhados fomos nos servindo e o aroma delicioso daquela galinhada feita no fogão à lenha, o barulho das ondas do mar a visão do mar e os sorrisos de satisfação e alegria transportava-nos a simplicidade e agradecíamos a Deus por aquele momento inefável.
         Terminamos nossa refeição e despedimos do caboclo e prontifiquei-me a pagar pela comida e ele não queria receber de jeito nenhum, foi quando coloquei uma nota de dinheiro no bolso da surrada camisa do pescador, dei-lhe um forte abraço a saí com os olhos marejados por vivenciar momento tão sublime.
         Era hora de voltar para casa, mas ainda houve tempo de eu correr atrás de algumas gaivotas que passeavam pela praia e gritar bem alto: Obrigado Deus por permitir vivenciar momento tão maravilhoso como este!