16 de jun. de 2014

AS PELADAS DE RUA

       

  


      Feliz foi o garoto que morou na periferia de uma grande metrópole na década de 60 onde a maioria das ruas eram de terra.   

Não existia hora marcada para iniciarmos nossa partida de futebol na esburacada rua de terra chamada Caxinguelê que ficava no bairro da Cidade A.E.Carvalho, zona leste da cidade de São Paulo.
      Sempre que conseguíamos reunir mais de dez moleques nós caminhávamos até a casa do Nelsinho para convidá-lo para o jogo, pois o mesmo era proprietário da bola.
       Quase sempre dona Neusa, mãe do Nelsinho atendia nosso pedido e liberava o filho e a surrada bola de capotão tão maltratada pelos nossos grosseiros pés.
       A nossa alegria contagiante era notada por todos os moradores do bairro e lá íamos nós sorrindo entre abraços para nossa pelada de rua.
       Não existia técnico de futebol e as escolhas dos jogadores eram feitas por dois garotos considerados os melhores entre nós e os piores jogadores sempre acabavam indo para o gol.
       Tudo era improvisado e qualquer objeto ao alcance dos nossos olhos serviam para marcarmos as traves, desde pedaços de tijolos, latas vazias e até mochilas de alguns garotos vindos da escola que apareciam por lá e queriam participar do nosso jogo de futebol.
       Não existia juiz e as faltas e encontrões erram marcadas pelo excesso de energia nos dribles sempre que algum jogador caia a mais de um metro de distância da bola ou quando o Marcão que era o garoto mais forte pedia para paralisarmos o jogo.
       Não existia tempo de jogo e sim um placar pré-definido: Vira cinco acaba dez.
       A bola era posicionada no meio da rua e nós saíamos correndo dando chute até na alma, similar a uma vaca brava e não demorava muito estávamos transpirando muito e bastante cansados pelo esforço físico.
       A única recomendação do Marcão era para evitarmos chutar a bola na casa do senhor Nicolau, pois se a mesma caísse no quintal do mesmo o jogo teria que terminar pois o velhinho não devolvia a nossa bola, somente para nossas mães.
       O momento mais triste das nossas peladas de rua era quando avistávamos a mãe do Nelsinho que vinha pedir para o filho entrar porque já estava ficando tarde e ele pegava a bola de capotão colocava embaixo do braço e saia muito triste pedindo desculpa para todos nós.
       O melhor jogador das nossas peladas de rua chamava cazuza, era um garoto muito franzino e tinha um drible desconcertante e quantas vezes fui para casa com dores no corpo todo de tanto ser enganado com a agilidade do cazuza.
       O suor descia pelos nossos rostos e o contato do suor com os nossos olhos cegavam nos momentaneamente e nem sempre o que chutávamos era a bola e sim a canela de quem estivesse na nossa frente.
       Nosso jogo era imediatamente interrompido quando havia a necessidade de alguma mulher com criança no colo, mulher grávida, velhinhos e algum carroceiro pediam licença para passar pela rua, fora estas pessoas o restante que se atrevia a passar pela rua era imediatamente driblado e entre alguns palavrões avistávamos a bola sendo arremessada na casa do senhor Nicolau dando por encerrado a partida de futebol de rua.
       Os meus joelhos sempre ralados e os dedões dos pés sem os tampões denunciavam que naquela semana tinha acontecido várias peladas de rua.
       Foram raros os gols que eu fiz, mas os poucos gols feitos faziam eu alimentar a ilusão em querer ser um jogador de futebol no futuro o que era imediatamente desfeito com um comentário de mamãe:
- Melhor estudar meu filho pois para jogador de futebol você não leva nem um pouquinho de jeito.
       Abria a Cartilha Caminho Suave e ficava sonhando em ser um jogador de futebol, apenas sonho, apenas um sonho bem distante da realidade. Mas valeu sonhar e poder participar das gostosas e divertidas peladas de rua.