23 de fev. de 2012

PASTELARIA DA PENHA


          Andava empinando minhas pipas sossegadamente num enorme terreno baldio perto de casa, chegava em casa todo suado, colocava a lata com a linha e as pipas “aparadas” num enorme prego e ia tomar um banho para em seguida jantar e ir para o Ginásio.
          Uma vida ociosa, pois estudava no período noturno e tinha o dia todo para desfrutar das delícias do “não fazer nada” e não fazia o mínimo esforço em recolocar-me no mercado de trabalho, ainda adolescente achava que trabalhar era para adultos e não para garotos como eu.
          Em um determinado dia cheguei em casa e mamãe deu-me a triste notícia:
- Luiz, você começa a trabalhar amanhã! E meu coração disparou e eu disse:
- Mas mamãe, não estou preparado psicologicamente, necessito de um tempo para digerir notícia tão ruim! Ela sorriu e perguntou:
- Sabe Luiz, gostaria de saber em qual Faculdade você graduou-se para ser tão vagabundo! Aquela colocação feriu meus brios e resolvi perguntar medrosamente onde era que ia trabalhar e perguntei tartamudeando onde seria o local da tortura e ela disse secamente:
- Você irá trabalhar numa Pastelaria na Penha, o Senhor Machado conseguiu este nobre serviço de balconista pra você.
          Não sabia se ria ou chorava, optei em calar-me e aceitar humildemente o novo emprego conseguido pelo nosso vizinho motorista de ônibus, o Senhor Machado, embora naquele exato momento odiei o Senhor Machado com todas as forças do meu coração.
          No dia posterior ao anúncio do emprego, levantei-me bem cedinho e fiquei esperando o Senhor Machado passar com o ônibus que ele dirigia, pois o mesmo iria apresentar-me ao meu futuro patrão.
          A Pastelaria ficava no ponto final da linha de ônibus ao qual o Senhor machado dirigia e lá chegando entramos na Pastelaria e eu um tanto amedrontado e muito desconfiado fui apresentado ao proprietário que não era muito de conversas, ele estendeu a mãos educadamente e pediu para entrar na Pastelaria, ou seja, do lado de dentro do balcão. Eu Olhava tudo e aos poucos ele foi passando qual seria minha nova atividade e em seguida, após uma breve apresentação da Pastelaria pediu que eu o acompanhasse até um escuro quartinho onde estava umas quinhentas canas para serem descascadas e logo em seguida iriam ser moídas para fazer a tal da garapa, o caldo de cana.
          Depositou um enorme facão na minha mão e pediu para eu começar a descascar, raspar a casca das canas e saiu. Peguei o facão e novamente odiei o Senhor Machado, fiquei alguns minutos observando o obscuro e nojento quartinho e contra a minha vontade comecei lentamente a descascar as primeiras canas. Era um serviço muito simples, consistia em colocar a cana em pé e raspá-la até não enxergar nenhuma casca e colocá-la em pé num outro monte que estava formando-se.
          Nenhum EPI (Equipamento de Proteção Individual) foi fornecido e quando eu já tinha descascado umas 50 canas algumas bolhas já se faziam presente nas minhas frágeis mãos, o suor descia pelo rosto e a camiseta já estava toda suada e nada do proprietário pedir para eu parar com toda aquela tortura, até que num determinado momento, imensamente irado, levantei-me do carcomido caixote de madeira e dirigi-me ao proprietário e apresentei meu pedido de demissão e ele surpreso aceitou e pediu para eu ir embora, pois achava que eu não gostava muito de trabalhar.
- Mas eu quero receber pelas horas trabalhadas! Respondi e ele com um sorriso de piedade disse:
- Mas você não trabalhou quase nada, não recebe. Mostrei minhas mãos cheias de bolhas e insisti que eu deveria receber pelo menos alguns “trocados”. Não teve acordo e ele pediu para eu sair da Pastelaria e ir embora.
          Calmamente, sai de trás do balcão e disse que estava com fome e queria comer alguns pastéis com caldo de cana e fui prontamente atendido. Enquanto comia os pastéis ficava observando os ônibus que encostavam na frente da Pastelaria e após comer todos os pastéis e beber todo o caldo de cana, vi que um motorista tinha entrado no ônibus e o mesmo tinha ligado o motor do mesmo, saí numa tremenda disparada e entrei correndo para o interior do coletivo que imediatamente partiu e o dono das canas correu para receber os pasteis e o caldo de cana, aos gritos de paga, paga. Coloquei o rosto para fora do ônibus e disse sorrindo e fazendo uma careta para ele: Na outra encarnação eu te pago! Um abraço amigo! E mostrava as minhas mãos toda cheia de calos. Até hoje não sei se ele recebeu posteriormente do Senhor Machado, só sei que até hoje quando entro numa pastelaria e vejo alguém servindo caldo de cana, minhas mãos começam a doer e lembro-me carinhosamente desta passagem maravilhosa da minha vida. Caldo de Cana? Sim. Descascar canas? Jamais!
        Atualmente o interessante é que minha netinha adora caldo de cana, e vira e mexe estamos no Mercadão Municipal da cidade bebendo alguns caldos de cana e sempre minha mente volta a este acontecimento e quando escuto o barulho da máquina de moer cana esboço um sorriso e lembro desta passagem sofrida da minha vida, porém muito engraçada.

SENHOR VICENTE - (O GARÇOM)

          Quem teve o Sr. Vicente como garçom, não precisa de mais nada nesta vida! O Sr. Vicente quando nasceu já estava predestinado a servir a todos os clientes que aparecessem na Rua 24 de Maio, no Centro de São Paulo.
          O bar foi apresentado por minha irmã Selma e como eu adorava fazer um happy-hour nos finais da tarde, adorava beber alguns chopes e desfazer as complicações do cotidiano, aceitei em conhecer o tal do bar do Sr.Vicente.
          Cheguei um pouco desconfiado, afinal o bar estava instalado numa galeria, minúsculo, sem opções de ver a rua, a Avenida Paulista, o que aquele bar poderia oferecer a um bom bebedor de chopes?
           Fui apresentado ao Sr.Vicente e imediatamente ele curvou-se elegantemente diante da minha insignificante pessoa, apertou minha mão e disse:
- Estamos aqui para servi-los, fique a vontade, a casa é toda sua!
            A cordialidade do Sr.Vicente encantou meu coração, era um senhor já idoso, lá pela casa dos 60 anos, carregava sempre um sorriso estampado no rosto e nunca ficava parado, sempre estava carregando uma bandeja lotadíssima de chopes, porções para nos servir.
             Confesso que eu era um pouco “chato” e fazia questão de ser sempre o último freguês a sair do bar do Senhor Vicente, sempre tendo que arregaçar as calças, pois a casa já estava fechando, e ele jamais reclamava, apenas pedia gentilmente para que eu erguesse os pés, pois iria começar a lavar a casa e dizia que sempre havia tempo para beber mais um chope.
             A sexta-feira era o tradicional dia em que conseguíamos reunir a maioria do pessoal e chegávamos sempre alegres e imediatamente o Sr.Vicente reunia várias mesas na parte inferior do bar (subsolo) sempre conversando conosco, perguntando de fulano, cicrano e até da nossa família. Encantador aquele momento, as mesas eram colocadas uma ao lado da outra e geralmente ajudávamos para podermos iniciar nossos primeiros goles e degustarmos nossas primeiras porções.
               Eu trabalhava na Barra Funda, pegava o metro e descia na Estação República, caminhava pela Rua 24 de Maio e lá estava eu na frente do Bar do Sr.Vicente que eu considerava um verdadeiro Oasis no meio daquele transito infernal, barulho de buzinas, afinal estávamos vivendo na Metrópole onde tudo era possível.
               Existiu uma época que todos os dias à tarde nós encontrávamos para bebermos nossos chopes e conversarmos sobre o cotidiano e nossa turma era composta por pessoas muito legais: A minha querida irmã Selma, O Jair, Cilene, Sérgio, eu e alguns conhecidos que apareciam esporadicamente como convidados para juntar-se a nós e poder passar alguns momentos de plena felicidade.
               Uma bela recordação que tenho até hoje é que quando ficávamos até o inicio da madrugada, isto geralmente acontecia na sexta-feira o senhor Vicente fazia questão em acompanhar-nos até o ponto de ônibus que ficava na Praça do Correio e dizia que aquele gesto visava proteger-nos dos possíveis assaltos que acontecia na região. Já tinha freqüentado várias outras casas noturnas, bares, mas nunca tinha visto nada igual: O garçom acompanhar o freguês até o seu destino. Lindo, maravilhoso!  E assim o Sr.Vicente ia conquistando nossos corações e os nossos paladares e quando tínhamos que nos reunir para um happy-hour logo alguém da turma dizia: Bar do Sr.Vicente! Pronto lá estávamos nós sempre alegre e feliz ao lado do melhor garçom do Mundo: Senhor Vicente.
          Obrigado Senhor Vicente por momentos de tanta Felicidade e por ter participado em vários momentos da nossa existência sempre alegre e uma cordialidade incomparável.