24 de fev. de 2013

SALA SÃO PAULO



         Cheguei em casa com dois ingressos comprados para irmos ao teatro e anunciei a “patroa”:
- Prepare-se que no próximo sábado iremos assistir um concerto de uma orquestra num teatro no centro de São Paulo. E a minha esposa respondeu:
- Ora Luiz, e eu tenho lá tempo de pensar em concerto com tanta roupa para lavar, roupa para passar, louça para lavar e tantas outras atividades do lar.
    Sentei-me pesadamente no sofá da sala desolado e fiquei vários minutos admirando o par de ingressos comprados com tanto carinho e inesperadamente tive uma maravilhosa ideia e disse a esposa:
- E se eu ajudar você em todas as atividades do lar você promete acompanhar-me ao teatro amanhã? A patroa parou de varrer a sala, colocou as mãos no cabo da vassoura e depositou o rosto sobre as mãos e ficou pensando, pensando e olhando para mim e após alguns minutos de grandes reflexões, sorriu e disse:
- Claro “bem”, se você ajudar a colocar esta casa em ordem e prometer levar-me a um show de pagode no próximo domingo irei com a maior satisfação.
 Imediatamente caminhei lentamente até ela, dei um carinhoso beijo no lindo rosto da patroa, tirei a vassoura das mãos da lindinha e começamos a limpar toda a casa ouvindo Roberto Carlos que estava sendo tocado por nosso “toca-discos”.
         Ao final do dia a casa estava toda brilhando e eu com uma dor nas costas que me deixou hesitante quanto ao dia posterior em ir ao teatro.
         No sábado acordamos e enquanto estávamos tomando café a patroa perguntou que tipo de teatro nós iríamos e eu disse que iríamos assistir um Concerto de uma Orquestra, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo em um Teatro que estava sendo inaugurado chamado: Sala São Paulo, pertinho da Estação da Luz. 
O olhar de admiração e encanto podia ser observado pelo brilho nos olhos da pequena e ela disse:
- Mas Luiz, por que você não disse que iríamos a um evento tão “chique” como este! Deixa-me começar a me arrumar, pois lá só tem pessoas muito inteligentes e ricas!
Quase morri de rir naquele momento e disse: Imagine são pessoas mortais iguais a nós com um pequeno diferencial: Adoram o que existe de melhor: Música clássica.
Assim que vi a patroa com aquele lindo vestido usado somente para eventos especiais e eu enfiado em uma surrada calça jeans ela disse:
- Imagine se eu irei sair com você trajando esta insignificante roupa, faz o favor de pelo menos vestir um terno com gravata! Afinal iremos a um importante lugar e os lugares especiais merecem o nosso melhor.
Após me arrumar dentro de um luxuoso terno que estava guardado no guarda-roupas fazia anos a patroa ajudou a dar um belo nó na gravata e saímos apressados para o teatro.
    Os passos elegantes da esposa vestida com aquele maravilhoso vestido chamavam a atenção da vizinhança e alguns chegaram a perguntar aonde iríamos tão bem trajados.
    Chegamos à Sala São Paulo um pouco amarrotado e logo que entramos no hall de entrada podemos sentir toda a pomposidade e luxo do local, entramos vagarosamente e subimos até nosso camarote e lá ficamos encantados com tanto luxo, tanta beleza e o odor maravilhoso de pessoas tão elegantes.
Quando estávamos observando o palco o teto do teatro começou a se mover e a patroa imediatamente entrou em pânico dizendo que o mesmo iria cair e eu calmamente disse a ela que apenas que estavam se movendo para equalizar o som ambiente e aquilo era normal para cada apresentação.
    A orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo posicionou-se vagarosamente no palco e alguns instrumentos começaram a ser ouvidos e começou o grande espetáculo e nossos olhos não desgrudavam da beleza que passava diante dos nossos olhos tão desacostumados a tanta beleza.
Foram duas horas de apresentação inesquecíveis que marcaram tanto nossa vida. Voltamos para casa com a alma tranquila e o coração alegre como uma criança.

16 de fev. de 2013

VÓ ARMINDA



      Ah, que delícia ter uma avó! Vó Arminda era nossa visinha do grande cortiço onde morávamos na Rua Mangalô, no querido bairro da Parada Inglesa, Zona Norte da cidade de São Paulo.
      Estávamos vivendo o maravilhoso ano de 1.960, onde tudo era pureza e até podíamos “emprestar” uma avó: Vó Arminda.
      Vó Arminda era de uma bondade angelical, de uma delicadeza de princesa, de uma serenidade de um amanhecer e de uma calma de monge.
      Ao entardecer, mamãe subia as enormes escadas do cortiço e depositava-nos nos carinhosos braços da querida vó Arminda e dizia:
- Olá comadre, dá para a senhora olhar estes “pestinhas” enquanto eu preparo a janta para o Zezinho?
      Os braços abertos e os grandes olhos azuis como um grande manto de proteção acolhiam nossas pequeninas almas.
      Mamãe descia apressada as escadas para preparar a janta para o papai e lá nós ficávamos no delicioso colo da vovó Arminda.
      O radinho em cima de uma pequena mesa da cozinha coberta com uma linda toalha de plástico xadrez amarelo e azul começava a transmitir um jornal chamado: “A HORA DO BRASIL” e o início era sempre assim: Em Brasília...19 horas. A linda música que antecedia o inicio do jornal misturado com o delicioso perfume da vó Arminda fazia a gente viajar pelo Mundo através da voz do grande locutor e descobrir Mundos e lugares jamais imaginados por nossa mente pueril.
      Sentávamos na escada que dava acesso a pequena cozinha e lá ficávamos escutando a “Voz do Brasil” e várias histórias contadas com uma voz pausada da linda vó Arminda.
      Grandes castelos nos eram apresentados sob a grande e linda lua cheia e misteriosos monstros faziam a gente se encolher sob os protetores braços da querida avó.
      Vó Arminda tinha um filho que era jogador profissional de “bilhar” e todas as tardes o querido filho acordava, ia tomar um banho e depois ficava eternos minutos examinando os tacos de bilhar que seriam utilizados ao longo da noite onde ganharia o sustento do lar.
      O filho da vó Arminda vestia-se com uma linda calça branca, sapato branco, camisa listrada e um paletó branco e um lindo chapéu listrado, passava a mão na maleta onde estavam os tacos de bilhar, benzia-se diante do altar e saia dando um beijo carinhoso na mãe e em todos nós.
      Assim que o filho de vó Arminda saia de casa, vó Arminda ia até o altar e acendia uma vela para Nossa Senhora de Aparecida e todos nós rezávamos baixinho pedindo proteção para todos. Vó Arminda sempre pedia proteção para o filho e nós pedíamos proteção para vó Arminda.
      A alegria em estar ao lado da querida vó Arminda era desfeita quando mamãe aparecia e dizia:
- Nossa, já são quase nove horas da noite e o Zezinho ainda não chegou, o que será que aconteceu?
      E lá estávamos nós torcendo para que papai chegasse bem mais tarde, pois só assim poderíamos ficar sobre o carinhoso abraço da vó Arminda por mais alguns minutos.
      O velho portão abria-se estridentemente e um grande sorriso de mamãe era percebível a milhares de quilômetros de distância, era nosso querido papai que acabava de chegar e lá estávamos nós a dar o último abraço na querida vó Arminda sussurrando ao seu ouvido: Eu te amo vovó, posso vir amanhã? E sempre aquele sorriso encantador dizendo: Claro queridos, vocês moram em meu coração!

11 de fev. de 2013

LAMPARINAS



     Umas das lembranças mais agradáveis que tenho até hoje são as lamparinas que iluminavam nossa pequena casa num sítio sem energia elétrica.
      A pequena casa onde morávamos era desprovida de todo conforto existente atualmente, não existia energia elétrica, não existia água encanada.
      Assim que chegamos naquele sítio localizado num bairro em formação fomos a uma venda comprar as lamparinas que iriam iluminar nossas encantadoras noites de longas histórias contadas por papai, pois a inexistência da televisão era motivo para nossa união deitados ao lado de papai que usava e abusava de onomatopeias para ilustrar as lindas lendas de outrora.
      As lamparinas eram abastecidas por querosene que assim que o sol escondia-se atrás dos morros eram acesas e colocadas sobre uma pequena prateleira e lá ficava a iluminar todo o pequeno cômodo.
      O jantar era servido numa pequena mesa e o cheiro de querosene podia ser sentido em todos os cantos da casa.
      Assim que terminávamos de jantar sentávamos num velho sofá e sob a claridade da lamparina que ora iluminava muito bem o ambiente e em outros momentos parecia que iria apagar nosso pai começava a contar os “causos” de outrora que escutávamos com muita atenção e alegria e ficávamos muito ansiosos pelo final da história.
      Quantas vezes durante as narrativas de papai eu fixava o olhar no pequeno fogo da lamparina e ficava viajando nos castelos medievais das incríveis histórias entre os grilos e sapos que coachavam do lado de fora do sítio.
      O tempo foi passando e as lamparinas foram sendo apagadas, mas continuam acesas até hoje nos nossos corações, assim com as belas histórias ouvidas de papai.

9 de fev. de 2013

A VISITA DE UM AMIGO



      Não existia cerca, não existia portão, existia apenas uma grande amizade de outrora que não necessitava palmas para recepcioná-lo e lá estava o grande amigo de papai chamado: Ermelindo.
      Ermelindo quando vinha nos visitar, na verdade vinha visitar nosso querido pai José da Silva e nossa mãe Thereza Miranda da Silva e a sua visita era momento de grande satisfação para todos nós.
      Seu jeito simples, suas atitudes singelas muito nos agradava e após alguns apertos de mãos e alguns abraços sentava-se pesadamente no sofá e imediatamente perguntava:
- Pois é Tereza, já está pronto o café?
      Mamãe sorria e dizia: Pois é Ermelindo você ainda não trouxe o pó de café! Grandes gargalhadas ecoavam pela sala e logo nosso querido amigo Ermelindo começava a conversar com meu pai perguntando sobre o cotidiano e eu encolhido no fundo do sofá esperando maravilhosas histórias que viriam ao longo da querida visita.
      Os dias vividos pelos grandes amigos em tempos passados às vezes incomodavam-me e eu ficava a imaginar que realmente amizade existe e isto era comprovado através de lindas narrativas de momentos sublimes vividos entre os dois amigos.
      As histórias eram contadas e o sorriso de papai comprovava a veracidade e quando tudo estava ficando um pouco monótono o querido amigo Ermelindo “lascava” uma piada que eu ficava “vermelho” de tanta vergonha e todos riam como se nada tivesse acontecido.
      Mamãe servia o café para todos e sentava-se ao lado de papai e lá ficavam a conversar sobre um tempo maravilhoso, um tempo da roça, um tempo que existia festa na Vila, no povoado e que todos participavam de uma festa do Divino que comiam um tal de ”Fogado”, que era uma enorme panela repleta de carne, batatas e muita criatividade preparada com muito carinho por todas as mulheres da roça.
      Os amigos falavam de quase tudo vividos naquela época maravilhosa dos anos 50 e tudo aquilo me deixava um pouco saudoso de uma época que não vivi, mas gostaria muito de viver. Talvez eu tenha nascido numa época errada, pois na realidade gostaria muito de ter nascido em 1900 ou talvez até antes.
      O enorme prazer atrelado ao grande sacrifício de acender um fogão à lenha nas primeiras horas da manhã, uma lamparina com seu cheiro de querosene e sapos coachando ao anoitecer enquanto os nossos pais contavam histórias dos antepassados muito me faziam feliz.
      O tempo ia passando e os momentos vividos por papai e Ermelindo iam sendo contados com muita naturalidade e eu lá no fundo do sofá ficava imaginando as maravilhas que eram os tempos vividos pelos amigos.
      Existia serenata, existia carta de amor escrita com caneta tinteiro, existia amizade que o nosso amigo Ermelindo trazia com tanta sinceridade, existia São Paulo que tanto eles amavam, adoravam o São Paulo F.C. existia amizade que tanto nos orgulha uma visita do nosso querido amigo Ermelindo.
      Saudosas pessoas que passaram por nossas vidas e deixaram tantas lembranças agradáveis: José da Silva e Ermelindo, grandes amigos.

2 de fev. de 2013

CHUVEIRO DE BALDE



       E assim que descarregamos os poucos móveis naquela velha casa sob uma tênue garoa, meu pai foi até um pequeno banheiro situado no meio do enorme quintal e pendurou um balde com alguns furos embaixo e um dispositivo que permitia abrir e fechar o mesmo.
      Nós éramos pequenos e foi quando papai anunciou que a partir daquele dia tomaríamos banhos através daquele improvisado chuveiro e eu como sempre que adorava inovações adorei tudo aquilo e fiz a seguinte pergunta para o papai:
- Mas pai então teremos que tomar um banho rápido?
- Sim, vocês terão apenas cinco litros de água para as abluções e isto é ótimo!
      A grande dificuldade era ter que tirar a água do poço, esquentá-la num improvisado fogão à lenha, colocar no balde e pedir para o papai colocar o balde no gancho e entrar para tomar o banho o que deveria acontecer até quando a água acabasse ou caso contrário ficava com o corpo cheio de sabão pois a água acabava rapidamente.
      Quantas vezes abria o “chuveiro” e ficava a cantar ou às vezes “filosofando” sobre o cotidiano e quando via a última gota cair do balde meu corpo ainda estava cheio de sabão, então era enxugar-me e sair um pouco contrariado do banheiro.
      Com o passar do tempo aprendemos a cronometrar a quantidade de água existente e após nosso banho completo ainda deixávamos o restante da água cair e dizíamos: Ainda sobrou água! E éramos questionados se realmente tínhamos lavado todo o corpo ou somente as partes principais.
      Como seria bom se existisse este balde em nossa casa atualmente, pois estávamos contribuindo enormemente para economia de água e ajudando nosso planeta.