Andava empinando minhas pipas sossegadamente num enorme terreno baldio perto de casa, chegava em casa todo suado, colocava a lata com a linha e as pipas “aparadas” num enorme prego e ia tomar um banho para em seguida jantar e ir para o Ginásio.
Uma vida ociosa, pois estudava no período noturno e tinha o dia todo para desfrutar das delícias do “não fazer nada” e não fazia o mínimo esforço em recolocar-me no mercado de trabalho, ainda adolescente achava que trabalhar era para adultos e não para garotos como eu.
Em um determinado dia cheguei em casa e mamãe deu-me a triste notícia:
- Luiz, você começa a trabalhar amanhã! E meu coração disparou e eu disse:
- Mas mamãe, não estou preparado psicologicamente, necessito de um tempo para digerir notícia tão ruim! Ela sorriu e perguntou:
- Sabe Luiz, gostaria de saber em qual Faculdade você graduou-se para ser tão vagabundo! Aquela colocação feriu meus brios e resolvi perguntar medrosamente onde era que ia trabalhar e perguntei tartamudeando onde seria o local da tortura e ela disse secamente:
- Você irá trabalhar numa Pastelaria na Penha, o Senhor Machado conseguiu este nobre serviço de balconista pra você.
Não sabia se ria ou chorava, optei em calar-me e aceitar humildemente o novo emprego conseguido pelo nosso vizinho motorista de ônibus, o Senhor Machado, embora naquele exato momento odiei o Senhor Machado com todas as forças do meu coração.
No dia posterior ao anúncio do emprego, levantei-me bem cedinho e fiquei esperando o Senhor Machado passar com o ônibus que ele dirigia, pois o mesmo iria apresentar-me ao meu futuro patrão.
A Pastelaria ficava no ponto final da linha de ônibus ao qual o Senhor machado dirigia e lá chegando entramos na Pastelaria e eu um tanto amedrontado e muito desconfiado fui apresentado ao proprietário que não era muito de conversas, ele estendeu a mãos educadamente e pediu para entrar na Pastelaria, ou seja, do lado de dentro do balcão. Eu Olhava tudo e aos poucos ele foi passando qual seria minha nova atividade e em seguida, após uma breve apresentação da Pastelaria pediu que eu o acompanhasse até um escuro quartinho onde estava umas quinhentas canas para serem descascadas e logo em seguida iriam ser moídas para fazer a tal da garapa, o caldo de cana.
Depositou um enorme facão na minha mão e pediu para eu começar a descascar, raspar a casca das canas e saiu. Peguei o facão e novamente odiei o Senhor Machado, fiquei alguns minutos observando o obscuro e nojento quartinho e contra a minha vontade comecei lentamente a descascar as primeiras canas. Era um serviço muito simples, consistia em colocar a cana em pé e raspá-la até não enxergar nenhuma casca e colocá-la em pé num outro monte que estava formando-se.
Nenhum EPI (Equipamento de Proteção Individual) foi fornecido e quando eu já tinha descascado umas 50 canas algumas bolhas já se faziam presente nas minhas frágeis mãos, o suor descia pelo rosto e a camiseta já estava toda suada e nada do proprietário pedir para eu parar com toda aquela tortura, até que num determinado momento, imensamente irado, levantei-me do carcomido caixote de madeira e dirigi-me ao proprietário e apresentei meu pedido de demissão e ele surpreso aceitou e pediu para eu ir embora, pois achava que eu não gostava muito de trabalhar.
- Mas eu quero receber pelas horas trabalhadas! Respondi e ele com um sorriso de piedade disse:
- Mas você não trabalhou quase nada, não recebe. Mostrei minhas mãos cheias de bolhas e insisti que eu deveria receber pelo menos alguns “trocados”. Não teve acordo e ele pediu para eu sair da Pastelaria e ir embora.
Calmamente, sai de trás do balcão e disse que estava com fome e queria comer alguns pastéis com caldo de cana e fui prontamente atendido. Enquanto comia os pastéis ficava observando os ônibus que encostavam na frente da Pastelaria e após comer todos os pastéis e beber todo o caldo de cana, vi que um motorista tinha entrado no ônibus e o mesmo tinha ligado o motor do mesmo, saí numa tremenda disparada e entrei correndo para o interior do coletivo que imediatamente partiu e o dono das canas correu para receber os pasteis e o caldo de cana, aos gritos de paga, paga. Coloquei o rosto para fora do ônibus e disse sorrindo e fazendo uma careta para ele: Na outra encarnação eu te pago! Um abraço amigo! E mostrava as minhas mãos toda cheia de calos. Até hoje não sei se ele recebeu posteriormente do Senhor Machado, só sei que até hoje quando entro numa pastelaria e vejo alguém servindo caldo de cana, minhas mãos começam a doer e lembro-me carinhosamente desta passagem maravilhosa da minha vida. Caldo de Cana? Sim. Descascar canas? Jamais!
Atualmente o interessante é que minha netinha adora caldo de cana, e vira e mexe estamos no Mercadão Municipal da cidade bebendo alguns caldos de cana e sempre minha mente volta a este acontecimento e quando escuto o barulho da máquina de moer cana esboço um sorriso e lembro desta passagem sofrida da minha vida, porém muito engraçada.
3 comentários:
a mãe nos colocava em cada apuros, que as vezes pensam que inventamos, eu mesma sou testemunha de fatos indescritiveis como o seu, mais valeu pra nos fortalecer para nossos filhos e netos rsrsrs. bjs. te amo.
Hahahaha... valeu a pena. Mais uma história para contar! =)
eu ri muito com seu texto. muiiiito verdadeiro, parece ate que estou vendo a mãe..rsrsrsr legal. brigaduuuuuuuuu. te amo.
Postar um comentário