21 de jun. de 2011

Filho de Comunista

Quantas e quantas vezes fui proibido de falar da nossa miserável "vidinha". Desde moleque era proibido fazer qualquer alusão ao nosso cotidiano. Entrar calado e sair mudo, esta era a ordem de papai. Não converse com ninguém, não olhe pra ninguém, vá e volte em poucos minutos! Não entendia absolutamente nada do que estava acontecendo ao nosso redor, com a nossa família. Quantas reuniões sigilosas aconteciam em casa sob meu olhar curioso de criança. Posicionava-me entre aqueles homens que dialogavam continuamente e jogavam baralho e fumavam muito e às vezes a discussão ficava um pouco mais acirrada e alguns chegavam a dar alguns murros na mesa. Corria deitar com mamãe e ficava perguntando um pouco amedrontado se aqueles homens poderiam brigar. Mamãe acariciava-me e dizia que estavam apenas conversando sobre trabalho. As reuniões terminavam sempre muito tarde, isto quando não amanheciam conversando sobre isto e aquilo, citavam muito uma palavra que até hoje guardo na minha mente, chamava-se "Tupamaro", MR-8, Luiz Carlos Prestes, Lamarca e outros que não me lembro mais, sempre citando países como Rússia e China..às vezes faziam-se calados e eu imaginava que eles estavam brincando de "vaca amarela". Pura tolice e ingenualidade de criança. Alguns fatos marcaram profundamente minha infância, como um dia em que papai iria participar de uma grande paralisação de uma fábrica ao qual o sindicato ao qual papai era filiado tinha dado ordens pra todos os trabalhadores paralisaram suas atividades. Levantou-se muito cedo e preparava-se como se fosse para guerra, mas o que mais me chamou atenção foi a grande quantidade de bolinhas de gude que ele iria levar. Pensei, caramba, quanta bolinha de gude! Será que eles vão participar de algum torneio? Pô, e ele não vai dar nenhuma pra mim? Partiu, depois de dar um beijo carinhoso em mamãe. Muito tempo depois soube o porquê de tanta bolinha de gude. Outro fato foi que muito antes de sindicalizar-se levava um livro dentro de uma grande marmita e constantemente estava lendo,lendo, lendo e eu ficava imaginando que talvez ele não estivesse entendendo absolutamente nada do livro "O Capital" de Karl Marx. mas...E assim íamos levando nossa vida de "esconde- esconde". Lutava-se por um País de igualdades, sem pobres, sem ricos. Utopia? Talvez.
Só sei dizer que sofremos muito, muito, muito e todo o meu caráter formou-se baseado nestes fatos e situações maravilhosas. Graças a Deus nunca roubei nada de ninguém, respeitava e ainda respeito todos e sempre reparto meu "pífio" pedaço de pão com o desgraçado e com o rico. Sempre tive vontade de escrever algo como estou escrevendo, mas sempre ficava com medo de ser advertido, não compreendido, hoje com 56 anos de idade criei um pouco, talvez 1% da que aqueles camaradas tinham e resolvi escrever. Fiz mal, fiz bem? O que papai falaria se lesse este texto? Talvez, parasse e refletisse um pouco e falaria: Filho, eu disse pra você que não era pra dizer nada pra ninguém! Pediria perdão e falaria: Pô papai, releve isto, estou apenas contribuindo com a história e sua bisneta ficará muito feliz em saber que o Senhor foi um bravo que tentou ajudar este País...mas....continuamos nossa vidinha. 

Um comentário:

Suely disse...

Mano... te amo por ter subido e descido os degraus da vida junto... com o pai e a mãe sempre amando-o e evitando que vc percebesse o que estava acontecendo. bjs.brigadoooooooooooo.