Em 1.966 conclui o curso primário e para entrar no ginásio era necessário fazer uma preparação que chamava-se admissão. Tinha apenas onze anos de idade morava num bairro chamado Ponte Rasa, Zona Leste da cidade de São Paulo.
Eu era um ótimo aluno durante o curso primário o que levou papai a crer que eu poderia ser um excelente aluno durante os anos posteriores. Papai decidiu matricular-me num curso de admissão existente no bairro Ermelino Matarazzo. Eu estudava no período da tarde e no começo do curso assistia as aulas regularmente, mas com o passar dos dias fiz algumas "amizades" na sala de aula com alguns alunos e eles convidaram-me para "cabular" as aulas e irmos nadar uma grande lagoa chamada Cisper.
Inicialmente recusei o convite, pois sabia que meus pais mais cedo ou mais tarde descobriria, mas com o passar dos dias resolvi experimentar a grande aventura, que mais tarde iria arrepender-me pelo resto da minha existência. Nós nos encontrávamos a um quarteirão da escola e íamos alegres para a lagoa. Chegando na lagoa entrávamos na água para tomar nosso banho e refrescar-se das tardes quentes e ficávamos brincando de luta livre. Passados as horas retornávamos para casa e dizia para nossos pais que a aula tinha sido muito interessante, pois a professora tinha feito uma palestra sobre plantas e não tinha dado matéria nenhuma.
A ingenuidade de mamãe não permitia observar que eu tinha "cabulado"a aula. O tempo foi passando e às vezes a gente cabulava as aulas para refrescar-se na lagoa. Um "colega" tinha até providenciado um carimbo de "presente" para poder carimbar nossas carteirinhas escolar nos dias de ausência.
Lá pelo mês de Outubro, papai começou a ficar muito desconfiado, pois eram folhas e mais folhas do caderno em branco e resolveu ir até à escola saber o que estava acontecendo. Acabou descobrindo que eu não ia à escola já fazia um bom tempo; agradeceu o diretor e pediu para o mesmo desligar-me da escola. Chegou em casa e anunciou minuciosamente para mamãe todo o ocorrido. Após levar uma surra inesquecível com duas varas de marmelo trançadas, resolveram aplicar-me um castigo. Colocaram-me com várias senhoras beatas para eu estudar "o catecismo". Eu rezava dia e noite sem parar, preparando-me para fazer a primeira comunhão e redimir-me do meu pecado em ter cabulado várias aulas e gasto o suado dinheiro de papai.
Foram semanas de rezas sob a supervisão acirrada de mamãe e existia dias em que eu chorava baixinho por ter que rezar mais de cem Pai Nosso e Ave Maria. Estava definitivamente arrependido, mas o pior ainda estava por vir e após longas horas de orações papai anunciou enfaticamente que jamais durante a sua existência iria pagar escola pra mim, se eu quisesse estudar teria que manter meus estudos com o suor do meu rosto e disse rispidamente que eu iria começar na manhã seguinte a trabalhar com ele, numa fábrica de consertos de instrumentos musicais.
No primeiro dia de serviço achei muito divertido, pois tinha que acordar de madrugada, preparar a marmita e sair apressado para pegar o trem na estação de Ermelino. Como eu era muito pequeno, assim que o trem chegava na estação era uma correria danada para entrar no vagão e lá estava eu no meio de tantos trabalhadores, transpirando e e silenciosos. Ao meio-dia tínhamos que esquentar nossas marmitas numa "espiriteira", que era uma lata de sardinha com álcool e comer a marmita calado e voltar para lustrar enormes instrumentos de sopro sob uma espessa camada de fuligem. Uma semana foi suficiente para eu contrair uma diarreia que não esqueço até hoje, tive que ir ao Hospital e papai e o médico resolveram suspender o castigo.
Com apenas doze anos de idade já sentia o peso da responsabilidade em ter que arrumar qualquer serviço para pagar o curso de admissão. Foram alguns dias procurando um serviço e acabei encontrando numa "fabriquinha" de cintos, como ajudante geral, fiquei muito feliz, afinal teria como pagar meu curso. Quando fui contratado deixei bem claro para o Sr.Francisco, o proprietário que só poderia trabalhar no período da manhã, pois a tarde necessitava estudar, ele não fez nenhuma objeção, apenas iria pagar a metade do salário. Aceitei o emprego e comecei a trabalhar e foram os seis meses mais sofridos da minha vida, pois tinha que acordar cedo, ir trabalhar, voltar apressado para casa de bicicleta, arrumar-me e ir para o curso de admissão.
Terminou o ano e fiz uma prova no Ginásio Álvares de Azevedo, em Itaquera e fui aprovado e comecei a fazer o curso ginasial à noite e trabalhava na fábrica de cintos durante o dia. Senti a responsabilidade, aprendi a dar muito valor no meu serviço e comecei a pensar muito antes de "cabular" a aula para ir ao cinema com as namoradinhas.
Agradeço do fundo do coração aquele castigo que papai impôs e até hoje serve-me de lição para não enganar ninguém e dar muito valor nas ajudas alheias, pago com sofrimento e guardado na minha memória até que Deus chame-me e solicite a descrição detalhada do ocorrido. Não haverá sofrimento, apenas algumas lágrimas brotarão dos meus olhos e direi: Valeu a Pena!...Obrigado Papai, Obrigado mamãe por tornar-me homem desde a mais tenra idade!
Um comentário:
É ENGRAÇADO QUE O CASTIGO NAQUELA EPOCA ERA QUASE RELIGIOSA. VC REZAVA. TRABALHAVA . ESTUDAVA E AS VEZES APANHAVA COM VARAS DE MARMELO. E NINGUEM MORREU. HOJE A CRIAÇÃO ESTA DIFICIL... DIREITOS DAS CÇAS. KKKKK caso a ser pensado ???? bjs te amo. brigado por nos fazer reviver momentos de n.vidas.
Postar um comentário