Todos os dias Zezinho acordava bem cedinho e enquanto tomava
um banho sentia o aroma agradável de café que sua mãe estava coando no pequeno
cômodo de um barraco onde residia com a mãe e mais três irmãos pequenos.
As dificuldades eram enormes para conseguir alimentos para a
pobre família, a mãe era diarista em algumas casas na zona leste e o pequeno
Zezinho vendia café na Rua 25 de Março no período da manhã e a tarde voltava
para casa para ir para a escola.
Após colocar as duas enormes garrafas de café em um tabuleiro
de madeira rústica dirigia-se até a estação de trem para começar mais um dia de
vendedor ambulante na Rua 25 de Março.
O garoto era muito comunicativo e carismático e no próprio
trajeto já ia vendendo alguns cafezinhos para os passageiros e quando descia na
estação metrô São Bento pegava a Ladeira Porto Geral e ficava encostado em
frente a um shopping e lá ia oferecendo os cafezinhos para todas as pessoas que
passavam apressadamente com enormes sacolas entrando e saindo das lojas.
Salim todos os dias via o garotinho vendendo cafezinho e em
um determinado dia resolveu conhecer quem era aquele próspero garotinho falante
e sorridente e cautelosamente aproximou-se de Zezinho e disse:
- Parabéns garoto, Qual é o
seu nome?
Zezinho esboçou um sorriso
tímido e disse:
- Meu nome é Zezinho e estou
vendendo cafezinho quentinho que minha mãe preparou para o senhor!
Salim sorriu e pediu um café
para Zezinho e enquanto estava bebendo o aromático café disse para Zezinho:
- Você não está com fome?
Não quer comer algumas esfias?
Zezinho disse que
necessitava terminar de vender todo o café e foi então que Salim disse:
- Quantos cafés falta para
você vender?
Não sei.. mas creio que
ainda faltam uns vinte cafezinhos!
Salim passou a mão no cabelo
de Zezinho e disse:
- Ora Zezinho eu compro os
vinte cafezinhos e vamos comer algumas esfias que estou morrendo de fome.
Salim e Zezinho seguiram
desviando da lotada multidão da Rua 25 de Março para uma casa Árabe, entraram e
sentaram-se em alguns bancos altos e pediram vários tipos de salgados e
enquanto os dois comiam os quitutes Salim movido por uma inquietante nostalgia
começou a contar os primeiros anos em que chegou ao Brasil:
Sabe Zezinho eu quando era
jovem e chegamos aqui nesta terra maravilhosa eu tinha muita vontade de
estabelecer-me como um grande comerciante e assim que desembarquei no porto de
Santos segui direto para casa de um primo que tinha lojinha aqui na Rua 25 de
Março e recebeu-me muito bem e assim comecei a comercializar quase todo o tipo
de mercadoria em duas grandes malas que eu carregava com muito esforço pelo
interior do estado de São Paulo.
Vida difícil naquela época porque tinha que bater de casa em
casa oferecendo de tudo um pouco, desde canivetes, perfumes, carteiras, cintos
e lindos cortes de panos e ainda sofria muito porque não sabia a língua dos
brasileiros.
Zezinho deu mais uma dentada na espiha e perguntou:
- Mas como o senhor fazia
para falar com as outras pessoas?
- Ah..(Salim deu um sorriso
encantador) e disse:
Eu pedia ajuda para o povo e
dizia que estava tudo bem e até podia pagar depois e o povo gostava porque
minha mercadoria era muito baratinho e assim eu fui negociando por vários meses
e até aconteceu uma história engraçada em um determinado dia eu cheguei em uma
casa e a mulher pediu para que eu levasse na próxima visita um radinho e como
eu não entendi muito bem levei pra ela um ratinho de pano e ela ficou muito
brava e depois sorriu muito e convidou Salim para beber um café e ainda comprou
muitos perfumes de Salim.
Notava-se que Zezinho estava
encantado com as histórias de Salim e foi então que perguntou:
- Mas amigo, e sua família,
você não ficava com muitas saudades?
Os olhos de Salim
lacrimejaram e com a voz embargada disse:
- Sabe Zezinho, às vezes eu
ia dormir em pequenos quartos das cidades em que eu ia comercializar e meus
pensamentos estavam todos na minha terra, nos meus pais, mas tinha que
prosseguir e assim entre uma conversa aqui e outra conversa ali conseguia
forças para seguir sempre sorrindo embora meu coração sofresse calado de
saudades...
As pessoas que entravam na casa de quitutes observavam a
conversa daquele senhor idoso e aquele garotinho que deixava o ancião falar e
apenas restringia a ouvir as histórias com muita admiração.
Zezinho, você está estudando atualmente?
Zezinho balançou a cabeça
afirmativamente e balbuciou um sim.
- Tem irmãos, pai, mãe?
- Sim, tenho três
irmãozinhos e apenas mamãe.
Onde você mora?
- Moro muito longe daqui,
Zona Leste, tenho que pegar o trem todos os dias para vir vender os meus
cafezinhos.
Salim disse que gostaria de
conhecer a família de Zezinho e foi então que Zezinho sorriu e disse:
- Mas o senhor vai ter que
andar de trem, o senhor já andou de trem alguma vez na vida?
Salim riu e disse:
- Mas Zezinho o que eu mais
fiz na minha vida foi andar de trem que saia da Estação da Luz com destino as
cidades do interior e depois voltava de trem também.
- Senhor Salim, naquela
época os trens eram lotados também ou não?
- Não Zezinho, naquela época
os trens que seguiam para o interior todos tinham que estar sentados para poder
viajar...era muito bom poder observar as paisagens com várias árvores, gados,
lindas casinhas na beira da ferrovia..ainda sinto saudades...muitas saudades
daquele nostálgico tempo.
As perguntas de Zezinho não
cessavam e Salim procurava responder todas as perguntas com muita atenção e foi
que repentinamente Zezinho levantou-se do banco em que estava sentado e disse:
- Desculpa-me senhor Salim,
mas necessito ir embora senão minha mãe irá ficar muito preocupada com minha
ausência.
Salim pagou a conta e saíram
conversando até o estacionamento onde Salim pegou o carro e foi levar Zezinho
até sua casa para conhecer a família daquele pequeno garoto morador da
periferia e assim que chegou à residência a mãe de Zezinho ficou muito
espantada e perguntou o que estava acontecendo e foi então que Salim disse:
- Não é nada não, apenas fiz
questão de trazer o Zezinho até aqui para conhecê-los melhor e poder oferecer
alguma ajuda para vocês caso concordem.
Dona Matilde, mãe do Zezinho
não tinha palavras e convidou Salim para entrar e beber uma xícara de café
enquanto ouvia mais algumas histórias de Salim.
A partir daquele dia todos
os meses Salim fazia questão de levar mantimentos, roupas para as crianças e
ajudar aquela pobre família que ficou muito feliz com o bondoso Salim. Um
próspero comerciante da Rua 25 de Março.
Um comentário:
As vezes aparecem * anjos * que nos auxiliam no decorrer de nossas vidas e nos engrandecem no nosso viver... lindo texto. bjs.
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