22 de jun. de 2014

SENESCÊNCIA

    

    E quando somos detentores de uma vasta experiência de vida somos convidados a preparar nossa malinha para a morte. Para algumas pessoas até este direito é negado e não há tempo suficiente para despedidas, simplesmente é ceifado o convívio entre os mortais e pronto.
         Mas antes das despedidas a maioria das pessoas conseguem ficar velhas, é como se fosse um preparatório para a passagem para outra vida esta etapa é a mais difícil, pois já não temos mais aquela disposição em encarar a vida com muita naturalidade, os passos tornam-se lentos, a memória começa a dar os primeiros sintomas de esquecimento e toda aquela alegria de outrora fica acanhadamente entre sorrisos em bocas desdentadas.
         As primeiras dores começam a aparecer pelo flácido corpo que insiste em estar ereto, as praias são trocadas por farmácias, os cassinos e puteiros dão lugar aos consultórios médicos e a contabilidade da vida é atualizada diariamente entre pensamentos repletos de nostalgias.
         As missas que outrora eram acompanhadas somente em batizados ou casamentos tornam-se constantes e aquele sentimento de tentar cavar um lugarzinho no céu faz da fé a prioridade do cotidiano.
         A visão um pouco turva requer lentes mais espessas e perder os óculos em um canto qualquer da casa faz parte do todo envelhecimento saudável, feliz é quem tem alguém que possa ajuda-lo nesta árdua tarefa.
         Os banhos são mais demorados e os movimentos bem mais lentos e quando cai o sabonete no chão a única opção é pegar outro sabonete, pois caso opte em agachar corre o sério risco em ficar curvado por bons pares de dias.

         Ao olhar para o espelho e observar tantas rugas traz aquele sentimento de caminho trilhado entre morros e mares em busca da felicidade e a satisfação mistura-se com um sorriso de alegria em receber este troféu dado por Deus. Envelhecer.

20 de jun. de 2014

Simples, Alegre e Inteligente

   
Andando por este mundo de vez em quando tropeçamos com pessoas de todo o tipo e às vezes temos sorte em encontrar pessoas que conseguem nos cativar pelo sorriso e pelas primeiras palavras.
       Levantei-me as duas horas da manhã com uma vontade enorme de beber algumas cervejas em um quiosque na praia do Perequê-Açu em Ubatuba, São Paulo, Brasil.
       A princípio não haveria a necessidade de ir até o quiosque, pois eu já tinha passado o dia todo naquela mesma praia vendendo sorvetes, mas algo impulsionava a minha ida para conversar com pessoas jamais vistas, respirar o delicioso ar da madrugada e receber a maravilhosa brisa vinda do mar.
       Em poucos minutos coloquei-me em pé e fui caminhando pela rua deserta pensando nas novas amizades feitas na praia e às vezes ria alto de alguma piada que eu escutara entre a venda de um picolé e outro.
       Cheguei sorrateiramente no quiosque e logo fui saudado pelo Rodrigo, um dos sócios do quiosque que disse:
- Caramba Luiz, isto é que é gostar de praia! Acabou de sair daqui agora a pouco e já está de volta?
Sorri amigavelmente, balancei a cabeça e respondi:
- Pois é Rodrigo, senti falta do barulho das ondas e como não conseguia dormir vim aqui para ver o amanhecer do dia enquanto degusto algumas porções de camarão e algumas cervejas bem geladas.
       Não foi necessário mais nenhuma palavra, o Rodrigo afastou uma cadeira e disse:
- Pode sentar amigo, hoje você encontrará duas pessoas muito especiais assim como você.
       Não demorou muito e a cerveja já estava servida em um copo decorado com o logo do quiosque e eu com os olhos perdidos no mar a imaginar os pescadores que já estavam se preparando para colocar os barcos no mar e entre um gole e outro eu olhava o quiosque totalmente vazio, alguns galos a cantar ao longe e o Rodrigo sempre dizendo que as pessoas especiais já estavam chegando.
       Repentinamente entrou um casal no quiosque e foram saudar o proprietário Rodrigo e depois de vários abraços e sorrisos caminharam em direção a mesa em que eu estava sendo servido e o Rodrigo disse:
- Ai está Luiz, estas duas pessoas são as mais raras que conheci ao longo dos meus dez anos de praia. Cumprimentamo-nos e o casal sentou-se educadamente ao meu lado e apresentaram-se:
Mayara e Luigi eram casados e não moravam no Brasil, eram italianos e uma vez por ano faziam questão de reservar um mês para passear pelas belas praias brasileiras e Ubatuba sempre estava no roteiro dos dois.
       Fiquei um pouco apreensivo com os dois e quando acabamos de nos apresentar, Mayara levantou-se e deu um abraço bem apertado em mim e assim procedeu o Luigi que disse:
- Se vocês soubessem como gostamos de vocês, é algo inexplicável!
E eu perguntei: O que vocês mais gostam da gente, de nós brasileiros?
Luigi pediu licença e disse: Da maneira espontânea de fazer amizade, do sorriso, da alegria, do gingado, da maneira como somos tratados em todos os lugares por onde passamos por aqui, do clima.
       Sutilmente perguntei o que eles faziam da vida, se trabalhavam ou simplesmente passeavam pelo mundo e a resposta veio da voz pausada e um pouco rouca da nova amiga Mayara.
- Sabe Luiz, trabalhamos em um asilo, com pessoas que estão nos seus últimos momentos entre nós e adoramos aquilo que fazemos.
Foi então que nossa porção de camarão chegou e eu perguntei:
Sim, entendo perfeitamente, mas o que vocês fazem neste asilo?
- Somos voluntários, somos médicos e nossa missão é atender todos com muito carinho e amor e os olhos de Mayara lacrimejaram momentaneamente.
       Então eu estava diante de dois médicos e aproveitei o momento e pedi licença para contar uma piada de médicos e ambos balançaram a cabeça positivamente e após o término da piada ríamos muito e Mayara disse:
- É isto que nos leva a gostar de vocês: A alegria, o sorriso leve e solto esparramado por onde anda, pessoas simples e de bem com a vida, exalando bem estar e sem neuras.
       Contei um bom pedaço da minha vida e ficaram encantados em saber que eu era apenas um simples vendedor de sorvetes na praia, sabia falar inglês e adorava a madrugada, ver o raiar do Sol e conhecer novas pessoas.
       Ouvi calado entre um gole de cerveja e outro um pouco da vida dos meus novos amigos e levantamo-nos para apreciar o raiar do Sol que naquele exato momento já estava começando a aparecer no horizonte.
       Demos as mãos e rezamos a Deus agradecendo aquele momento sublime que nos dera de presente e após alguns minutos calados e encantados com rara beleza voltamos a nossa mesa e foi quando eu disse que iria embora e o Luigi disse:
- Mas Luiz, já vai? Gostaríamos de convidá-lo a mostrar algumas praias que você conhece, ficaríamos encantados com sua presença entre nós!
Esbocei um sorriso de satisfação e alegria e aceitei o convite e após nos despedirmos do Rodrigo caminhamos até o Trailer em que eles estavam dirigindo por Ubatuba e fomos conhecer novas praias durante duas semanas repletas de alegria, conforto, simplicidade.

Uma bela amizade feita na simplicidade de uma noite em um quiosque entre muitos risos e alegria de viver: Viver com pessoas simples, alegres e inteligentes assim como Mayara e Luigi. Obrigado amigos!

16 de jun. de 2014

AS PELADAS DE RUA

       

  


      Feliz foi o garoto que morou na periferia de uma grande metrópole na década de 60 onde a maioria das ruas eram de terra.   

Não existia hora marcada para iniciarmos nossa partida de futebol na esburacada rua de terra chamada Caxinguelê que ficava no bairro da Cidade A.E.Carvalho, zona leste da cidade de São Paulo.
      Sempre que conseguíamos reunir mais de dez moleques nós caminhávamos até a casa do Nelsinho para convidá-lo para o jogo, pois o mesmo era proprietário da bola.
       Quase sempre dona Neusa, mãe do Nelsinho atendia nosso pedido e liberava o filho e a surrada bola de capotão tão maltratada pelos nossos grosseiros pés.
       A nossa alegria contagiante era notada por todos os moradores do bairro e lá íamos nós sorrindo entre abraços para nossa pelada de rua.
       Não existia técnico de futebol e as escolhas dos jogadores eram feitas por dois garotos considerados os melhores entre nós e os piores jogadores sempre acabavam indo para o gol.
       Tudo era improvisado e qualquer objeto ao alcance dos nossos olhos serviam para marcarmos as traves, desde pedaços de tijolos, latas vazias e até mochilas de alguns garotos vindos da escola que apareciam por lá e queriam participar do nosso jogo de futebol.
       Não existia juiz e as faltas e encontrões erram marcadas pelo excesso de energia nos dribles sempre que algum jogador caia a mais de um metro de distância da bola ou quando o Marcão que era o garoto mais forte pedia para paralisarmos o jogo.
       Não existia tempo de jogo e sim um placar pré-definido: Vira cinco acaba dez.
       A bola era posicionada no meio da rua e nós saíamos correndo dando chute até na alma, similar a uma vaca brava e não demorava muito estávamos transpirando muito e bastante cansados pelo esforço físico.
       A única recomendação do Marcão era para evitarmos chutar a bola na casa do senhor Nicolau, pois se a mesma caísse no quintal do mesmo o jogo teria que terminar pois o velhinho não devolvia a nossa bola, somente para nossas mães.
       O momento mais triste das nossas peladas de rua era quando avistávamos a mãe do Nelsinho que vinha pedir para o filho entrar porque já estava ficando tarde e ele pegava a bola de capotão colocava embaixo do braço e saia muito triste pedindo desculpa para todos nós.
       O melhor jogador das nossas peladas de rua chamava cazuza, era um garoto muito franzino e tinha um drible desconcertante e quantas vezes fui para casa com dores no corpo todo de tanto ser enganado com a agilidade do cazuza.
       O suor descia pelos nossos rostos e o contato do suor com os nossos olhos cegavam nos momentaneamente e nem sempre o que chutávamos era a bola e sim a canela de quem estivesse na nossa frente.
       Nosso jogo era imediatamente interrompido quando havia a necessidade de alguma mulher com criança no colo, mulher grávida, velhinhos e algum carroceiro pediam licença para passar pela rua, fora estas pessoas o restante que se atrevia a passar pela rua era imediatamente driblado e entre alguns palavrões avistávamos a bola sendo arremessada na casa do senhor Nicolau dando por encerrado a partida de futebol de rua.
       Os meus joelhos sempre ralados e os dedões dos pés sem os tampões denunciavam que naquela semana tinha acontecido várias peladas de rua.
       Foram raros os gols que eu fiz, mas os poucos gols feitos faziam eu alimentar a ilusão em querer ser um jogador de futebol no futuro o que era imediatamente desfeito com um comentário de mamãe:
- Melhor estudar meu filho pois para jogador de futebol você não leva nem um pouquinho de jeito.
       Abria a Cartilha Caminho Suave e ficava sonhando em ser um jogador de futebol, apenas sonho, apenas um sonho bem distante da realidade. Mas valeu sonhar e poder participar das gostosas e divertidas peladas de rua.