27 de set. de 2011

O Bolo

             
                        Trabalhava numa empresa de computadores, meu cargo era Inspetor de qualidade e viajava muito, sempre de taxi e decidi morar numa pensão, porém tinha que ser num quarto sozinho e num bom lugar. Após escolher criteriosamente várias regiões, optei por Vila Mariana em São Paulo.
             Recorte do jornal na mão apresentei-me num casarão do século passado, fui recebido por uma senhora educadíssima que pediu para eu entrar e começou a fazer perguntas sobre minha vida e sobre minha atividade, pediu-me várias referências e um atestado de antecedentes criminais. No outro dia apresentei tudo e a senhora apresentou-me meu “novo” quarto. Fiquei estupefato com o requinte do mesmo, tinha carpete, TV a cabo, frigobar, telefone, uma enorme janela, arejado e um cheiro maravilhoso de jasmim. Assinei o contrato o mais rápido possível e passei a desfrutar daquela maravilha, pertinho do Metrô Ana Rosa e do Parque Ibirapuera.
             Chegava somente à noite, pedia um lanche, assistia o Jornal, lia as páginas de algum livro e adormecia. Acordava de madrugada e ficava escutando o barulho da cidade e imaginando que não muito tempo atrás morava muito distante.
              Com o passar dos dias acabei conhecendo os meus vizinhos de quarto, todos eram pessoas sem família e alguns estavam apenas de passagem por São Paulo. O grande destaque das amizades feitas foi o Sr.Antonio, o senhor de 82 anos, de origem portuguesa e bastante falante, estudado e muito viajado. Eu como adorava viajar, adorava escutar suas incríveis histórias sobre o mar. Adorava conversar com Sr.Antonio não apenas pela sua sapiência, mas também pela sua eloqüência, de uma cultura avassaladora. Nossa conversa às vezes tornava-se um monólogo, pois eu apenas com trinta anos não tinha muita “coisa” para contar, apenas ficava ouvindo aquelas histórias maravilhosas e pensando: Puxa vida como esse senhor é vivido, se eu tivesse apenas dez por cento da sua experiência e pudesse contar isto num livro, seria maravilhoso! Mas.....
             Os dias foram passando e conheci alguns “colegas” de algumas empresas que eu visitava que adorava fazer o “happy-hour” todo final do dia e convidava-me. Adorava beber chope e apresentaram-me uma bebida chamada “Maria-Mole”, era uma mistura de Martine com Conhaque, fortíssima e tirava a gente do sério.
             Terminava o expediente e lá estávamos nós fazendo o “happy”, copos e mais copos eram entornados e quando percebi estava quase virando um alcoólatra, isto se já não era, pois não admitia em hipótese alguma.
             O Sr. Antonio numa determinada noite reclamou que estava muito doente e que não viveria muito e pediu que eu diminuísse com o álcool, pois seria ótimo para mim e ele ficaria muito feliz. Saí no outro dia preocupadíssimo com a saúde do Sr.Antonio e fui fazer um serviço na Zona Sul de São Paulo numa grande indústria. Na volta encontrei com os colegas de “copo” e fomos bebericar alguns chope no Juca Alemão e bebi algumas “Maria-mole”. Após estar devidamente alcoolizado, pedi para o garçom chamar-me um taxi e dirigi-me até a pensão onde eu morava. Tudo girava e na minha mente aparecia o Sr.Antônio morto, sendo velado na sala da pensão. O taxi chegou, paguei-o com muito esforço e muita compreensão do motorista e entrei com passos trôpegos, abri a porta depois de uns cinco minutos e encontrei a seguinte cena: Uma enorme mesa com um caixão coberto com uma pano em formato de renda branca, algumas velas acesas e absolutamente ninguém acompanhando o Sr. Antônio morto. Procurei por alguém que pudesse dar alguma informação e ninguém estava por perto, o silêncio era assustador. Sentei-me numa cadeira e comecei as minhas orações para alma do Sr. Antônio. Após alguns minutos entre soluços e pragas contra todos os nossos vizinhos pela falta de sensibilidade, acendeu uma luz no andar de cima e escutei a voz da dona da pensão perguntando o que estava acontecendo, o porquê eu estava chorando convulsivamente e eu disse que todos eram insensíveis, ninguém gostava do Sr, Antonio, apenas eu, etc., etc. A senhora sorriu zombeteiramente e disse com uma voz de piedade: Querido Luiz, o que você está presenciando é apenas um bolo de casamento que está sobre a mesa, pois faço bolos por encomendas, as velas é que todos os dias acendo-as pela minha religião e ninguém morreu por aqui. Não me contive, dei um enorme grito de alegria e subi cambaleando até o quarto do Sr. Antônio para dar um enorme abraço nele e agradecer por ele estar vivo. Passei alguns minutos”velando” apenas um bolo de casamento! Sentimento de pura amizade misturado com álcool fizeram-me viajar e dar uma parada com a bebida e passar por vários dias escondido da dona da pensão. Que vergonha!!! Mas tudo passou e até quando saí da pensão lá estava Sr. Antônio com muita saúde despedindo-se de mim, com um sorriso maroto e recomendando que não chorasse mais por bolos, apenas comesse-os. 

20 de set. de 2011

HISTÓRIAS DA PRAIA - MEU ANJO DA GUARDA


      E quando percebemos já estávamos vendendo nossos picolés na Praia, era eu e um colega sorveteiro que eu o chamava carinhosamente de meu Anjo da Guarda. Meu Anjo da Guarda era muito diferente de tudo aquilo que um dia vocês já viram neste mundo, ele era enorme, pugilista e capoeirista, negro e de uma humildade indescritível. Gostava muito deste meu Anjo da Guarda pela sua conversa e pela pureza de alma, sem maldade e que adorava aventuras, enfiar-se em praias distantes e que ninguém se aventuraria ir até lá.
      Conheci meu Anjo da Guarda na Sorveteria, quando estava fazendo a contabilidade dos sorvetes vendidos ao longo do dia ele abordou-me e perguntou-me porque ele ganhava tão pouco e eu andava com muito dinheiro, qual era o segredo. Convidou-me para tomarmos algumas cervejas num buteco e depois da quinta cerveja bebida disse-lhe calmamente que o grande segredo para faturar um pouquinho acima da média era aventurar-se por praias distantes, bem distantes e cobrar um pouquinho a mais pela distância, tipo cinco vezes o preço normal. Sorriu angelicalmente e pediu se poderia acompanhar-me no próximo dia até alguma praia distante. Não hesitei e marcamos irmos para a Praia do Bonete, em Ubatuba.
       Assim que enchemos nossas caixas de isopor de picolés, passamos no buteco e compramos várias latas de cervejas e um litro de vodka e pegamos o ônibus cantando e sorrindo para o mundo. Ele inicialmente estranhou meu comportamento, pois cumprimentavam todos e já ia oferecendo os picolés para os passageiros. A viagem era longa, uma hora até chegar à Praia da Lagoinha e depois mais uma hora caminhando pela trilha, até chegar à Praia do Bonete.
      Descemos num condomínio e andamos até a trilha, atravessamos um pequeno rio e seguimos em frente, sempre contemplando a natureza e a beleza do local.
      Quando chegamos à Praia ele ficou estupefato em não encontrar absolutamente ninguém e perguntou-me em tom de brincadeira quantas vezes eu tinha morrido, disse-lhe que nenhuma e ele falou: prepare-se querido você irá morrer pela primeira vez, depois você acostuma. Pô Luizo, não tem ninguém nesta praia, você tá louco, bebeu? E eu calmamente disse-lhe: Calma meu Anjo, sente-se e relaxa que nossos fregueses vem do mar, vem de escuna, vem de lancha, de barco, é só aguardar e ficar humilde.
      Meu Anjo da Guarda sentou-se num pedaço de madeira e ficou com um olhar vago olhando para o mar, definitivamente tinha abandonado-me, franziu a testa e fez uma cara de mal, pessoa muito triste. Olhei-o com sorriso zombeteiro e cai na gargalhada e ele saiu correndo atrás de mim para dar-me algumas porradas, corri muito e fui esconder-me no único quiosque existente na praia que ficava escondido num pequeno vilarejo muito gracioso.
      Sentei-me numa cadeira de madeira e pedi uma cerveja muito gelada e uma caipirinha e ele parou na minha frente e disse: Amigo, acho que você perdeu o amor pela vida, já são quase uma hora da tarde, não vendemos nenhum picolé e você ainda pára por aqui para beber, é....acho que vou ter que nocautear você e se mandar para outra praia de barco, a pé...sei lá.
     Pedi para ele sentar-se que até três horas a gente venderia todos os picolés, ele sentou-se meio contrariado e ficou sério, muito sério e aí percebi que tinha que beber rápido a cerveja e a caipirinha e voltar pra praia para começar a vender os primeiros picolés para a primeira escuna que ia encostar às duas horas.
   Voltamos para a praia e ficamos sentados num banco de areia esperando nossos fregueses e não tardou apontou a primeira escuna repleta de turistas e eu disse: Vou ensinar você a vender por aqui, nosso preço por picolé é “X” e vende-se em Português, Inglês, Espanhol, Russo, etc.....Ele riu e disse humildemente que mal sabia falar nossa língua...protestei e disse-lhe: você vai aprender a falar inglês agora....Presta atenção: Os primeiros barquinhos começaram a chegar à praia vindos da escuna e postei-me bem em frente à área de desembarque e comecei a oferecer os picolés em Inglês...Meu Anjo da Guarda ria muito alto e perguntava-me o que eu estava falando e dizia: Sei lá, só sei que Ice-crean é sorvete o resto à gente enrrola...Bla-bla-bla-bla.
  Os primeiros picolés foram vendidos para uma família francesa e o resto para vários turistas ávidos em aliviar o tremendo calor do dia. Vendemos todos os picolés em duas horas e meu Anjo da Guarda dava pulos de alegria em ver tanto dinheiro na mão, até que surgiu uma senhora idosa e pediu gentilmente se ele podia ler a sua mão, pediu em francês e conversamos em Inglês. Eu disse a ele, não esquenta a cabeça eu vou ser o tradutor, mas o mais importante é que você leia a mão da senhora e seja muito educado e não peça nada pela leitura..Ele começou a ler a mão da turista e repentinamente ela pediu se ele podia benzer uma ferida na sua perna e ele disse: Mas... Luizo eu não sei benzer! Aí eu disse, você sabe sim, se não sabe aprende agora, o que não podemos e deixar esta pobre senhora sem um benzimento!!! Entendeu?
        Fez uma cara de apreensão, passou a mão em algumas folhas, molhou na água do mar e fez lá suas preces e disse que já tinha benzido. Ela ficou tão agradecida que deu-lhe alguns dólares e ele sorriu de felicidade.
       Retornamos pela trilha, cantando e muito felizes e programamos ir no outro dia até alguma praia mais distante, bem mais distante vender nossos picolés. Foram várias praias visitadas, até que meu Anjo da Guarda sumiu, não disse pra onde foi, assim continuei a trilhar meus caminhos só, sem o meu Anjo da Guarda.

DOMINGO



DOMINGO

       Das recordações mais belas que ainda insistem em permanecer na minha memória são os antigos domingos passados ao lado do meu querido papai José da Silva.
       O dia de domingo era aguardado com muita ansiedade ao longo da semana e a felicidade ancorava em nossa casa logo no sábado à noite. Eu ia dormir fazendo planos mirabolantes para poder agradar papai naqueles domingos inesquecíveis.
       Acordava bem cedinho e ia comprar o jornal enquanto mamãe fazia deliciosas rabanadas e coava café que podia ser sentido o seu aroma no portão de casa.
       Quando chegava com o jornal, papai já estava em pé barbeando-se e assobiando lindas canções, entregava-lhe o jornal e dava um carinhoso beijo no seu rosto semi barbeado. Ficava eterno minutos apreciando papai barbear-se e pensando que iria fazer igualzinho a ele quando crescer.
       Não tínhamos pressa com absolutamente nada e os ponteiros do relógio cuco acompanhava nossa lentidão domingueira, entre uma mordida na rabanada e um gole de café eu era questionado sobre minha semana na escola e como sempre dizia que estava indo muito bem e que a Professora Judite era a melhor professora do mundo.
       Após tomarmos café papai convidava-me para darmos alguns chutes numa velha bola de capotão num enorme jardim existente em frente da nossa casa, ia correndo pegar a bola e segurava a mão de papai e os chutes misturavam-se com nossa felicidade.
        Almoço, macarronada preparada com muito esmero por mamãe e nossas bocas ficavam todas sujas o que me provocava muito risos.
       Após o almoço, íamos fazer nosso merecido descanso embaixo de um pé de limão, ao lado do poço existente no quintal de casa e ouvirmos nosso querido São Paulo FC enfrentar algum time qualquer. Deitávamos e ficávamos quietinhos ouvindo a transmissão pelo rádio. Cada gol marcado pelo SPFC, nossos abraços misturavam-se com muita emoção e carinho.
        O Sol ia escondendo-se mansamente e uma pontinha de tristeza misturava-se com alegria de ter passado mais um domingo ao lado do meu querido papai, mas o domingo estava acabando e era hora de prepararmos para a próxima semana e aguardar o próximo domingo.