3 de nov. de 2011

FEIRINHA DA MADRUGADA


        Os bons ventos estavam parados, havia muitas nuvens negras estacionadas sobre minha vidinha medíocre de vendedor de coxinhas pela periferia da grande Sampa e tomei uma atitude inexorável, porém necessária para sairmos daquele desconforto financeiro que tanto estava perturbando nosso sono angelical.
        Olhava a porta da geladeira, onde estavam penduradas todas as contas atrasadas e dava vontade de chorar e quando abria a mesma, aí sim chorava de verdade, pois existia apenas água e várias bandejas de coxinhas para serem fritas e vendidas para pagarmos o aluguel, água, luz, imposto, fraldas, leite e se sobrasse algum trocado seria destinado para comprar um pouco de alimento. Que vidinha difícil!
        Resolvi vender coxinhas na Feirinha da Madrugada, no Brás, em São Paulo e preparei estrategicamente um plano maravilhoso que não iria falhar em hipótese alguma.
       Levantei-me às 2hs da manhã e comecei a Fritar as coxinhas e lá pelas quatro horas saí de casa com uma enorme caixa de isopor lotada de coxinhas, uma garrafa térmica de café e todas as contas atrasadas penduradas no pescoço, pois fazia parte da sensibilização humana. Era um novo apelo de marketing para vender todas as coxinhas e poder pagar as contas atrasadas.
      Cheguei à Feirinha às cinco da manhã e fiquei na entrada principal que é na Rua Monsenhor de Andrade e assim que desci do ônibus já comecei a falar bem alto que eu estava vendendo as deliciosas coxinhas com direito a um cafezinho para poder pagar as contas atrasadas e mostrava sorridente as contas penduradas no pescoço.
       O pessoal ficou espantado e muito sensibilizado e aos poucos foram chegando e comprando as coxinhas e eu sempre mostrava as contas atrasadas entre a venda de uma coxinha e outra e assim fui vendendo e conversando com os camelôs que tanto me ajudaram a vender todas as coxinhas e quando se aproximava nove horas já tinha vendido todas as coxinhas.
        Soltei um enorme grito de Felicidade, embarquei no ônibus Edu Chaves/ Vila Madalena, desci na Praça da Padaria Bole-Bole e entrei rapidamente na Lotérica para pagar as contas atrasadas.
        Muito Obrigado Camelôs da Feirinha da Madrugada que me ajudaram a sair daquele abismo financeiro e a conseguir retomar meu tranqüilo sono.
        As nuvens dissiparam, os ventos começaram a assoprar delicadamente a nosso favor a partir daquele dia e até hoje quando experimento qualquer coxinha lembro-me daquele difícil momento com um gostinho danado de quero mais. As coxinhas, obviamente!

2 de nov. de 2011

MEU AMIGUINHO COSME


        Eu tinha apenas nove anos de idade, isto lá pela década de 60, exatamente em 1964, morava na Rua Mangalot, na Parada Inglesa, bairro da zona norte de São Paulo.
       Vivia uma vida de príncipe e estudava numa boa escola do nobre bairro e tinha um vizinho que ficamos muito amigos chamado Cosme.
        Cosme era um garoto muito bonzinho, falava muito baixo e sorria alegremente para a vida e constantemente eu o via indo para escola onde eu estudava.
       Eu estudava a tarde e sempre mamãe ia levar-me a Escola Primária e sempre Cosme nos acompanhava, pois o mesmo ia sozinho para escola. Entre sorrisos, algum chute em pequenas pedras que estava no nosso caminho estreitou nossos pequenos laços de amizade.
       Eu e Cosme estudávamos na mesma escola, na mesma sala de aula do terceiro ano do curso Primário e ficamos muitos amigos. A classe era a mesma, a Professora Judite adorava Cosme, pois ele era um garoto muito inteligente.
      Naquela época antes de entrarmos para a classe a gente cantava o Hino Nacional e aguardávamos a professora na fila, era um respeito muito grande com nossos mestres.
      Com o passar do tempo e já estando acostumado com o trajeto, mamãe liberou para que eu fosse sozinho para escola e sempre ia junto com o meu amiguinho Cosme. Naquela época nós éramos muito comportados, pois andávamos na beira da pouca movimentada rua, falávamos sobre nossas brincadeiras da nossa escola e jamais parávamos antes de chegar na escola.
     Inesperadamente mamãe pediu-me gentilmente que eu fosse sozinho para escola e não tivesse a companhia de ninguém, inicialmente achei estúpido o pedido, mas procurei seguir o conselho de mamãe e refutava a presença do amiguinho Cosme que tanto insistia em ir junto comigo para escola. Dizia que mamãe não queria absolutamente ninguém indo junto comigo para escola e ele sempre me dizia que não haveria problemas em nos encontrarmos após perdermos nossas mães de vista e assim a gente seguia sendo amiguinhos: Após atravessarmos o imenso jardim e sairmos do raio de visão das nossas mães a gente se encontrava e íamos felizes para nossa escola sempre chutando algumas pedras, falando sobre nossa professora, rindo alto e falando baixo, muito baixo para que nossas  mães jamais percebessem que a gente se encontrava escondido delas.
    Já chegando no final do ano, saia de casa e ficava aguardando o meu amiguinho Cosme e nada dele aparecer, aguardava alguns minutos e seguia muito triste para escola sem a presença do amigo.
   Foram vários dias sem a presença de Cosme e num determinado dia enquanto estava aguardando o meu amiguinho Cosme passou um carro da funerária e alguns carros seguindo o mesmo, abaixei a cabeça em sinal de respeito, persignei-me e segui para escola muito triste, com o coração apertado, muito apertado.
   Naquele dia senti algo muito estranho, uma tristeza muito profunda no meu coração e ao chegar em casa mamãe comentou que meu amiguinho Cosme tinha morrido e tinha sido enterrado naquela tarde. Desabei a chorar desesperadamente enquanto era contido por mamãe que também me acompanhou nas lágrimas de sentimentos pelo meu amiguinho Cosme.

A COVEIRA


      Todo mundo tem amigos na vida, mas ter uma amiga que é coveira é pra poucos, muito poucos. Pois eu tive este privilégio de conhecer uma moça que é coveira aqui na cidade onde moro.
     Eu a conheci quando estava esperando chegar o corpo de um querido parente no portão principal do cemitério da cidade, eu estava fazendo uma grande reflexão sobre a vida quando olhei e lá estava uma moça sorridente, vestida com uniforme do cemitério, sentada sobre um túmulo. Não tive dúvida, era ela que tinha passado no último concurso, do qual participei para o cargo de Agente Comunitário. Aproximei-me e comecei a fazer algumas perguntas sobre o concurso, o porquê ter escolhido o cargo de coveira e comentei que tinha um blog onde contava histórias verídicas sobre o meu cotidiano e pedi autorização para escrever sobre ela e ela prontamente propôs a detalhar um pouco sobre o nobre cargo.
     Conversamos alguns minutos e fiquei sabendo muito sobre a vida no cemitério, sobre o difícil começo, a desconfiança dos colegas de trabalho, e repentinamente chegou um lindo carro preto trazendo o finado, despedi-me da coveira e fui acompanhar o enterro.
     Passado algum tempo, lá estava eu trabalhando como porteiro num Parque da cidade, eu estava na portaria principal e refletindo sobre o nada e lendo um pequeno livro e eis que aparece a coveira, ela estava transpirando muito e muito cansada, pois tinha ido pagar algumas contas na cidade e optou em passar pelo parque porque era o caminho mais curto.  Cumprimentou-me e disse estar muito apressada e precisava ir, pois naquele dia tinha morrido muitas pessoas. Rapidamente coloquei minha cadeira do lado de fora da guarita e pedi carinhosamente que se sentasse e descansasse um pouquinho que eu iria pegar um copo de água gelada para amenizar o calor.
    Peguei um pedaço de papel e dei a ela para enxugar o suor e ela ficou encantada com minha atitude e perguntou-me zombando o porquê de tanta dedicação e tanta gentileza e rapidamente sorri e disse: Pois é colega, tenho que tratá-la muito bem agora, pois daqui a algum tempo sou eu que estarei no seu local de trabalho e aí você lembrará quando passou por aqui e foi tratada muito bem e assim não jogará terra diretamente na minha cara e me tratará com muito carinho e  talvez até dirá  para algum presente daquele momento maravilhoso que esteve no Parque: Era gente boa, agora pertence aos vermes! Deixa comigo que eu enterro! Vai com Deus amigo! Fui! rsrsrsrs

AQUELE ABRAÇO


      Você combinou com os amigos beber aquele chopinho bem gelado à noite, combinou com a namorada levá-la ao cinema após  o happy-hour, passear no Parque domingo de manhã, pagar suas contas atrasadas, atualizar seus e-mails, terminar de ler aquele livro abandonado na estante faz meses, terminar seu tratamento dentário, passear na praia, ir ao cabeleireiro e no finalzinho da tarde morre.
      Poxa, isto é muito triste! Devemos fazer um protesto e exigirmos que a Morte seja anunciada, seja agendada. Nada de aparecer “de repente” e ir abraçando a gente sem ao menos dar tempo de escolhermos nossas camisas mais bonitas, passar o perfume mais gostoso, dar alguns beijos nas pessoas queridas e deixar o dinheiro para pagar as contas.
      Então aquelas fórmulas matemáticas aprendidas com tanto esforço, noites e noites estudando, provas, simulados, aulas de inglês, concursos, vestibular, faculdade e quando senta-se no banco da praça, lá está uma mulher muito linda, perfumada que começa a conversar com você e repentinamente você sente uma dor muito forte no peito, ela sorri marotamente e diz: Pois é velhinho, chegou sua vez! Prazer, sou Dona morte, vim buscá-lo, faz o favor de acompanhar-me.
     Mas o pior de tudo e não ter tempo de despedir-se de ninguém. Não há “saideira” para a Morte!
     Colocam um terno horrível em você, ajeitam sua face, te enfiam num caixão, ficam falando baixinho e rezando incessantemente. Que nada, gostaria de escolher a roupa que iria, nada falar baixinho, quero muitas piadas e sorrisos estridentes e algumas rezas para não contrariar os mais devotos.
     Bem que poderiam colocar algumas boas músicas de Tom Jobim, Chico Buarque, recitar alguns poemas de Neruda, Cecília Meireles, Jorge Luis Borges, Vinícius de Moraes e tantos outros.
    Não, não pode, ela está sempre apressada, afinal existe um cronograma a seguir e o tempo é precioso. Por isso amigo, viva tudo que há para viver, não se apegue as coisas pequenas e inúteis da vida....Perdoe....Sempre!
    Nunca, jamais adie qualquer sonho e viva-o agora porque talvez no próximo segundo você possa pertencer aos vermes que irão rir da sua cara medíocre.

30 de out. de 2011

MEU IRMÃO ROBSON



            A expectativa antes de nascermos é muito grande entre as pessoas da nossa família. A comissão de recepção, os preparativos, a ansiedade e a grande torcida quanto ao sexo é notada a todo o momento.
          Quando mamãe ficou grávida pela última vez eu tinha lá meus dezessete anos e estava decidido a sair de casa, criar minha carreira solo, criar minha independência, ganhar minha liberdade e ser apresentado ao mundo.
        Levei minha proposta de liberdade aos meus pais e eles foram enfáticos em dizer que eu só poderia sair de casa se mamãe tivesse um filho do sexo masculino.
        Um grande ponto de interrogação estava instalado na minha vida e minha torcida pelo nascimento de uma criança do sexo masculino transformou-se até em promessa e citações em profundas orações antes de dormir.
         A grande transformação, o estado latente de liberdade, a ansiedade, a expectativa eram parceiros constantes em todos os segundos da minha existência e não havia em todo o planeta uma pessoa que mais torceu pelo seu nascimento, pois afinal você irmão significava minha liberdade, sair de casa, conhecer o mundo sozinho.
        Lembro-me perfeitamente quando eu chegava em casa após um longo dia de trabalho numa fábrica de móveis em Itaquera, passava a mão carinhosamente na barriga da mamãe e dizia: Pois é garotinho, não vá decepcionar-me, pois você é minha liberdade. Seja bem vindo, mas não se esqueça de um detalhe: seja homem!
      Os dias foram passando, passando e exatamente no dia que todos oram pelos mortos, no dia dois de novembro, você mais uma vez nos surpreendeu com sua presença... ”Eles foram e eu estou chegando, chegando para brilhar, chegando para somar e contribuir com este planeta e com meu irmão com sua tão sonhada “Liberdade”. Eis me aqui, cheguei!”
    A alegria foi enorme quando você nasceu todos ficaram felizes e enquanto mamãe desfazia sua mala para recepcioná-lo, eu fazia a minha para encarar o mundo, conhecer novos caminhos, novos horizontes e deixei-os, escutando um choro de despedida entre lágrimas.
    O caminho foi árduo e várias vezes pensei em voltar, mas não havia volta e minha vontade em crescer, estudar e seguir em frente era bem maior que qualquer arrependimento.
   Joguei-me no mundo e às vezes aparecia em casa para revê-los, notava seu crescimento, sua alegria em viver, sua amabilidade, seu sorriso espontâneo e o carinho que nossos pais tinham por você e confesso em alguns momentos sentia uma “invejinha” por tanto afeto, tanto carinho que papai e mamãe oferecia pra você. Mas você era você e eu era eu, oka ou okê? (rsrsrsr), afinal eu fui e você chegou.
   Foram vários os momentos de plena alegria desde seu nascimento e o primeiro foi quando você tinha lá seus três anos e eu cheguei em casa e notei que você estava dentro de uma camiseta do nosso querido São Paulo Futebol Clube. Ostentava dignamente nosso orgulho da família e andava de lá para cá com o peito erguido e dizendo ser são paulino de coração. Quanta emoção, irmão querido! Fez-me em disfarçadas lágrimas enxutas com a manga da camisa, virando o rosto para não ser notado.
  Algumas datas festivas aparecia em casa: Dia das mães, dia dos pais e no final do ano, Revelion eram certas e jamais deixei de ir dar um abraço nos velhos nestas datas.
  Eu era tão bem recebido por todos, especialmente por você que me enchia de perguntas sobre o eu fazia, onde eu estava o que queria ser, etc., etc.
  O grande tapete da vida estava aberto e vivíamos uma época de plena alegria, esporadicamente eu os via e em alguns momentos recebia sua nobre visita na minha casa em São José dos Campos acompanhado dos nossos queridos pais. Foi numa destas visitas que os convidei para visitarmos um Parque chamado Santos Dumont e brincando acabei jogando você num grande lago e papai e mamãe demonstraram grande contrariedade ao ocorrido. Não havia dúvida, você era amado, muito amado por papai e mamãe!
  Outros grandes encontros aconteceram entre nós, mas aí você já era adolescente e como naquela época eu andava vendendo quase tudo que aparecia na minha frente convidei você para vendermos algumas cartelas de rifa e aconselhei-o a ser vendedor, mas ser um excelente vendedor e entrar para trabalhar numa grande empresa e você aceitou meu conselho e hoje eu orgulho-me em tê-lo como irmão e ser um dos melhores vendedores deste país.
   Parabéns irmão! Tenha certeza que eu simplesmente te amo de verdade e obrigado pela minha liberdade. Chuí! (rsrsrsrsr)